Grupo de arqueologia dos Cursos de Letras U.L. Lubango

sexta-feira, 11 de abril de 2008

Idade do Ferro Angolana - Povoados fortificados



Dedico este texto ao meu colega de Liceu e de Faculdade: Luís Pais Pinto um gandense, já falecido, meu amigo e camarada, fundador do Museu Nacional de Arqueologia de Benguela. Tentou em vão fazer com que regressássemos, para prosseguirmos os estudos arqueológicos.










Apeteceu-me deambular pela História dos povos da região do planalto da Ganda.
Foto: Localização das estações referidas no post
Ali, entre as serranias do Epale, Hondio a Leste o vale do Catumbela junto às comunas de Alto Catumbela e Babaera a Norte, a Serra da Chimboa a Oeste e a bacia hidrográfica do Cubal da Hanha a Sul, a população espraia-se em pequenos quimbos. Enquadram-se no grupo dos Ovimbundo, e designam-se por M’gandas. Como noutros Bantu, as comunidades distinguem-se umas das outras por se agruparem politicamente a uma linhagem, quer dizer, dizem-se pertencentes a um descendente de um soba, ou seja, pertencem a um mesmo soba como na antiga Europa.
As bibliotecas vivas (os sekulos) não sabem quantas gerações passaram desde que ali se instalaram ( os estudos mais refinados sobre a tradição oral, permitem chegar a cerca de 400 anos atrás) pelo que a investigação sobre história local tenha que se rodear de uma série de técnicas para descodificar os sinais do tempo dados pela oralidade. Posto que ele, o tempo, não tem o mesmo significado e duração, como entre nós. Por exemplo: quando falam: “Ame onekulo sekulo Cahanla” ( eu sou neto do avô Cahanla) não sabemos se o sujeito referido na frase é o seu avô, ou bisavô, tetravô, ou por aí a fora…. O tal caála ou cahanla pode ter morrido num período de tempo: 100, 200, ou 20 anos. Porém… todos eles dizem que o tal soba veio de outro sítio, sejam eles M'gandas ou Bailundos ou Seles e se fixou com a sua gente, ali .
Esta “amostra” de problemas metodológicos alongar-se-ia, o que não é o objectivo deste post. Apenas quis dar uma ideia do que se nos depara quando pretendemos pesquisar qualquer facto, sem o recurso à arqueologia.
Regressando à origem da população nesta região, ( vejam na carta os lugares).O que os livros diziam ( Há 30 e mais anos que não se publica nada de etnologia e arqueologia sobre esta região, penso eu, como dizem os angolanos “através” da guerra) os M’gandas chegaram por altura do séc. XVII à região e que esta era ocupada pelos M’Dombes e pelos Vassekeles ( ou mukankalas). Localização das estações Quitavava e Pumbala na carta militar.
Aqueles, pressionados pelas invasões dos Jagas, segundo uns, pelos Portugueses comandados pelo governador Bento Banha Cardoso e os seus capitães do mato no início do Séc. XVII (1611), fizeram deslocar os povos que habitavam o planalto da Quibala, da Cela para Sul, vindo a atravessar o rio Catumbela e instalando-se nas duas margens. Um grupo deslocou-se mais para o planalto abrigado da Ganda. ( na minha opinião esta tese da pressão portuguesa, não parece ter muita ou nenhuma consistência porque não descobrimos nenhuma evidência cultural disso).
Os historiadores Childs, e Hauenstein por outro lado, evidenciam que dentro dos Ovimbundo, os M’Gandas e os Hanha chegaram ao Alto Catumbela, Babaera e por aí a fora, no início do séc. XVII, vindo de Nordeste, fixando-se os Hanha a sudoeste da Ganda ( Cubal da Hanha) e os M’Ganda no local onde os conhecemos, embora nada nos digam se vieram de Leste ou do Norte.
Bem… não sabemos sem outros estudos, precisar a origem ( nem os próprios M’Gandas sabem) sem a arqueologia. Até lá é só: “diz-se que…”. Ainda dentro deste estado de coisas, o pouco que a arqueologia nos pode dizer é o seguinte:
A região foi palco de grandes “macas” entre os clãs Ovimbundo ( Huambos, Negolas de Caconda, Hanha, Balombos…) e entre estes e os: Ganguelas, Jagas ( os célebres jagas de Caconda a Velha conhecidos dos portugueses) Nyanecas de Quilengues e da Huíla.
Foto: Serra do Hondio - Equipa de prostecção da Ul - 1973 Foto Ana Sá Pinto
Porquê?... Essas guerras são provadas pela fortíssima necessidade de fortificar as povoações, ao ponto de permanecerem em zonas quase inacessíveis como a Serra do Hondio (que eu tive, com os meus colegas, a oportunidade de visitar e verificar a complexidade das construções, integrado numa equipa, como sempre liderada pelo Dr. Vitor de Oliveira Jorge) e as cidadelas fortificadas da Quitavava ( Pedreira) descoberta pelo Padre Rocha e a Pumbala ( Pedra do Elefante).
Essas construções e os objectos neles encontrados, provam um grau de tecnologia avançado idênticas às grandes construções da Zâmbia e
Zimbabué


Foto: A Quitavava ou Pedreira. foto em www.cpires.com/alto_catumbela.html A aldeia foi construída no plateaux da montanha granítica e toda a sua extensão.

( sem querer estar a dizer que os M’gandas ou os seus antecessores tivessem vindo dali) e de uma forte organização social ( não se governa mais de 1500 ou mais pessoas da Quitavava, se assegura a sua defesa e abastecimentos, sem uma elevada capacidade de administração).
Nas fotos: Escavações da cabana 1 e 2 da Quitavava. Equipa da U.L. Julho de 1973.Foto de V.O. Jorge









Foto de artefactos. Ponta de seta em ferro e bordo cerâmico da Quitavava Fotos em www.cpires.com/alto_catumbela.html.

A Quitavava e Pumbala, convêm esclarecer, são dois “inselberg” de granito ( elevações que sobressaem do planalto como se fosse uma mama) com cerca de 100m no primeiro caso e no segundo uns 300 em relação ao solo, situados de cada lado do rio Catumbela. No topo foram construídas cerca de 500 cubatas em média no primeiro caso e nos locais de mais fácil acesso foram construídos alguns panos de muralha com pedra vã aparelhada que serviam de sustentação das terras e teriam provavelmente uma paliçada. No primeiro dos montes foi feito um trabalho de escavação de duas cabanas e foi feito o levantamento preliminar de outras, em toda a sua extensão. No segundo apenas uma prospecção com recolha de artefactos para contextualizar o estudo que a equipa a que pertencemos da Universidade de Luanda (Cursos de Letras do Lubango) realizou em Julho de 1973. Nela foram registados uma centena de alicerces de cubatas feitas em pedra, seguindo a mesma técnica do que na Quitavava.
Foto: Abrigo com pinturas rupestres da Serra do Hondio. Julho de 1973 Foto de dr. V.O, Jorge A Serra do Hondio quanto a mim o local de maior interesse arqueológico pelo facto de possuir um abrigo granítico de grandes dimensões com pinturas rupestres semelhantes em importância às de Caninghiri, é igualmente um povoado .fortificado absolutamente inédito, à espera de estudos e de enormes proporções pela sua extensao. No Hondio, indicado pelo gandense Sr. Joaquim Ferreira Júnior que bem conhecia estes locais,
os habitantes souberam construir vários níveis de muralha seguindo as cotas do terreno, formando socalcos suportados por pedra aparelhada. Foram também descobertas grandes quantidades de escória de ferro, resultante de fundição local.
Pumbala Foto 1 vista do Inselberg Pumbala ( "pedra do elefante"), à esquerda, com a Serra da Chimboa ao fundo. Foto em
www.cpires.com/alto_catumbela.html








Foto 2 Prospecção da Ul em Julho de 1973.Vê-se em segundo plano os restos de muralha no rebordo do plateaux para ter uma ideia da altura, reparem na árvore em último plano no meio de um arimbo, trata-se de um mutiate com cerca de 15 metros de altura.Foto de V.O.Jorge.

Outra estação importante foi o Abrigo1 da Ganda (distante uns seis km, mas com uma diferença de cotas de cerca de 300m) e foi o único local que mereceu três campanhas de escavações, (não completadas desde 1971 a 1973 dirigidas pelos Drs Vitor Gonçalves e Vitor Jorge) e que revelaram, entre vários artefactos da Idade do Ferro, um forno (cremos que completo) de siderurgia de grandes proporções e que deve ter estado activo umas dezenas de anos, a avaliar pela quantidade de escórias.

Foto: Março de 1973. Abrigo 1 da Ganda. Escavações realizadas pela equipa coordenada pelo Dr. Vitor de Oliveira Jorge, nosso professor de Pré-História. No sentido longitudinal, vê-se a vala sondagem realizada pelo Boaventura Santos, nosso colega, sob a direcção do Dr. Vitor Gonçalves, um ano antes. No sentido transversal a vala sondagem realizada por nós.Foto de V.O. Jorge
Este abrigo natural é um recôncavo num soco granítico com uns 12 metros de boca e uns 3 de Altura ( em relação aos sedimentos actuais). Serviu de oficina de fundição e o nível onde se situava a calha, por onde escoava o ferro derretido, ficava a cerca de um metro abaixo do nível actual. Este facto sem que haja datação pelo C14, permite arriscar que foi construído há mais de duzentos anos e seria contemporâneo, pela semelhança na cerâmica e noutros artefactos, das outras estações citadas. (Susana O.Jorge)


Na foto: Início da desmontagem dos sectores W. da vala Q1, Q2 e Q3. Foi no Q2, onde tenho o pé que se encontrou a 1 m, a calha de vazamento do forno de fundição. No quadrado em primeiro plano, também a 1 m foi encontrado um esqueleto (pés e pernas) humano, veem-se para além de mim a Ana e de costas a Olívia.Foto de V.O. Jorge.
Voltando à problemática da História da terra gandense. No local ( 1973 a 1975) não houve uma só pessoa da população dos mais velhos, que nos dissesse, que alguém lhes tinha contado, que havia aldeias no Hondio ou em cima das pedras da Babaera e Alto Catumbela. Isso parece indicar ( até que possamos datar os vestígios que saíram das escavações através da análise dos isótopos de carbono e termoluminescência) que, pelo menos, as fortificações foram abandonadas há mais de cento e cinquenta anos.
Foto. Um algaraviz em barro refratário. Trata-se de uma peça que encaixa no forno e serve de ligação entre o fole e a câmara de fundição.Foto de V.O. Jorge.

Os três locais onde se encontraram aldeias montadas em Inselbergs ou serras do vale da Ganda ou do planalto do Alto Catumbela-Babaera já citados, desituam-se numa rota usada pelas caravanas que faziam circular mercadorias do interior do Bié para Benguela e Catumbela, conhecida e explorada desde os primórdios do século XVII .
Primeiro pelas caravanas de escravos, depois pelas caravanas da cera, do marfim, e finalmente da borracha.


Planta do Abrigo 1 com a localização das valas de sondagem em Susana Jorge.

Esse facto pode estar na origem dos ataques de exércitos de sobados do interior do Huambo na tentativa de controlar o tráfego e em consequência da necessidade de defesa dos M’Gandas daqueles, ou das incursões dos bandos armados pelos funantes, ou mesmo dos portugueses de Benguela ( S. Filipe, para não confundir com Porto Amboim.
A verdade é que o facto de se descobrirmos no alto da Pumbala ( Pedra do Elefante) na Quitavava, no Hondio ( menos) e no Abrigo 1 da Ganda, quantidades substanciais de escória de ferro, algaravizes ( tubos de argila refractária) e de fornos de fundição de ferro ( neste caso no Abrigo 1 da Ganda), isso demonstra a grande capacidade logística de guerra e de resistência dos povos ali instalados. Subir uns trezentos metros de altura por pedra lisa quase na vertical, carregando minério, água e alimentos para alimentar umas dezenas de famílias ( no caso da Quitavava e Pumbala) nuns meses e manter a logística, só era possível com uma excelente capacidade de organização.
A ocupação efectiva do planalto pelos portugueses, só foi possível na segunda década do século XX quando a população passou a considerar vantajoso os negócios ou o emprego na construção do caminho de ferro de Benguela e na plantação de eucaliptos para alimentar as locomotivas já na década de vinte e depois nas plantações de sisal.
Conclusão. Os M’gandas tal qual os conhecemos, das duas uma: ou são efectivamente anteriores à fundação de Benguela e permaneceram no local até à sua ocidentalização e “pacificação” no início do séc. XX, ou vieram depois de outro povo lá ter estado, que falta averiguar, (seriam os M’dombes) que entretanto teve que migrar dali. Uma coisa parece ter aceitação de todos: Os Hanha pelo seu modo de vida ( com mais gado e vivendo mais à volta dele) são os mais antigos na bacia do Bonga, do Cubal da Hanha mas não devem estar relacionados com as construções amuralhadas. Os M’ganda vieram depois e devem tê-los submetido, implantando sua cultura tradicional, mais ligada à agricultura da Massambala e menos ao gado e salvo prova em contrário, seriam os habitantes das tais fortificações.
A finalizar: Muito há a fazer para estudar a região e neste caso, só com uma equipa envolvendo várias disciplinas desde a arqueologia até à linguística, como dizia o nosso professor Vítor Jorge há 34 anos atrás.


Bibliografia:
JORGE, Vitor O. " Estudos Arqueológicos na Região da Ganda, Museu de Arqueologia dos Cursos de Letras da U.L. Sá da Bandeira (Lubango) 1974.


JORGE, Susana O. "Vasos Cerâmicos do Abrigo 1 da Ganda. Guimarães, 1976


1 comentário:

GED disse...

Não consigo colocar mensagem no último texto "Ombaka".
Apenas para te dizer: "o que a gente aprende contigo".
Um grande abraço
Henrique