Grupo de arqueologia dos Cursos de Letras U.L. Lubango

terça-feira, 15 de abril de 2008

Arqueologia de Benguela - Early Stone Age.

A zona costeira do Município da Baía Farta é uma das zonas, mais exploradas pela Arqueologia no período mais recente da História de Angola. O texto que se segue resulta do conhecimento que tenho das estações prospectadas como da leitura de alguns textos que foram publicados, pelo Instituto de Antropologia Mendes Corrêa da U.P. e pela Academie des Sciences

A região é conhecida internacionalmente, sem dúvida, pelo o facto de haver em Benguela desde 1979 o Museu Nacional de Arqueologia. Nele, para além do seu fundador e primeiro director, o Luís Pais Pinto, trabalhou também em cooperação o Dr. Manuel Gutierrez do CNRS (Centre National de Recherches Scientifiques) centro que é uma das catedrais da arqueologia mundial. Alguns trabalhos foram publicados nas mais prestigiadas revistas da especialidade, graças ao empenho do Luís e do Manuel que formaram no terreno uma equipa de jovens arqueólogos benguelenses. Devo dizer que o referido Museu foi fruto de uma carolice persistente, do meu colega gandense. Primeiro, foi apadrinhado pelo Historiador Henrique Abranches e através dele, pelo próprio Presidente Agostinho Neto que aprovou não só a sua criação, como do estabelecimento do seu quadro de pessoal e dotação financeira. Segundo, foi intalado no edifício do Cabo Submarino, ( que é objecto da própria arqueologia industrial), depois de um estágio no edifício do antigo Grémio do Milho.
O texto que se segue é uma das muitas reflexões sobre o período mais antigo da ocupação da zona. Uso aqui o termo Early Stone Age, não por uma questão de snobice mas porque é o mais usado para a História de África. Este período, para quem não está familiarizado, corresponde em termos cronológicos ao periodo cultural que começa com os primeiros hominídeos, há 4 milhões de anos antes de nós, até à generalização das primeiras indústrias líticas feitas com base em núcleos previamente preparados, o que na África Austral, se situa por volta 250.000 anos antes de nós, embora se continuasse a usar instrumentos com técnicas e formas do período anterior, até quase ao aparecimento da metalurgia. Do ponto de vista paleontlógico corresponde a duas fases de hominídeos: Homo Habilis e Homo Erectus e os primeiros Sapiens.
O contexto geomorfológico das estações.
Do ponto de vista geológico, o território que o texto se refere, é coberto por terrenos de formação Cretácico-Quaternárias, junto à costa, correspondendo, pois a formações sedimentares que vão da Equimina até ao Sumbe, e uma faixa paralela àquela e à linha da costa, mais para o interior, que corresponde a formações Proterozoicas, mais antigas portanto.



Quanto à orografia, as estações conhecidas, assentam em bancadas planas ( plateaux), situam-se ( hoje) entre os 90 e os 120 m de altitude e excepto o caso da Caotinha, que por causas provavelmente telúricas, vão dos 0 m (junto à praia) a cerca de 150 m no ponto mais alto.


Na foto: (de João Sá Pinto) podemos ver um pouco da estatigrafia que vem esquematizada aqui em baixo. Vê-se a meio um rebaixamento do plateau, ficando as camadas inclinadas. Onde se vê um edifício, pertencente à diocese de Benguela, correspondia há 300.000 anos o nível do mar e as rochas onde as ondas batiam ( conglomerado marinho) ainda se podem ver do lado direito, não na sua posição original, que seria a 100m do nível do mar, à cota do tal edifício.





Quanto à estatigrafia: (picar aqui ao lado para aumentar). O solo é formado por camadas em geral paralelas ao mar ( excepto em alguns locais, como já referi.). Estas camadas são em muitos locais cortadas por linhas de água sasonal (oueds) , formando, nalguns locais verdadeiros canyons ( Dungo-Baía Farta, Canguengo, Tchitandalucúa, etc.) noutros a erosão pluvial terá formado vales largos limitados por escarpas, como o caso da Caota ou da Baía Azul. Nas escarpas, a erosão torna possível visionar a estratigrafia em corte e permite-nos também, descobrir artefactos en place.

Interpretação da evolução geológica dos locais.

Apesar da “aridez “ da abordagem geológica, ela é incontornável, no caso do estudo da pré-história de Angola, onde não se dispõe ainda de um conjunto satisfatório de datações suportadas laboratorialmente. ( Lembro-me que o Luís Pais Pinto e antes o Dr. V. O. Jorge da UL bem se baterem pela sua instalação de laboratórios para análise física e química dos documentos materiais em Benguela, no primeiro caso e no Lubango, no caso do segundo).

Uma vez que os factos geológicos têm características idênticas no Sudoeste de Angola e onde algumas das formações estão datadas, os documentos materiais de comunidades humanas e da sua inter acção com o ambiente, podem por contextualização, serem aferidas cronologicamente por analogia.
Assim o estudo da geologia permite explicar a acção predadora sobre determinados animais marinhos e depositados a mais de três km da costa actual e a mais 100m do nível actual do mar.
Em termos práticos: Há mais de 300.000 anos o nível do mar encontrava-se 150-120 m do nível actual na zona de Benguela. Isso faz deduzir que toda a zona entre a Bela Vista no Lobito até aos morros das Bimbas e de S.António/Sombreiro, estivesse eventualmente debaixo de água durante umas centenas de anos. Por outro lado, o facto de se terem encontrado dezenas de artefactos em quartzo leitoso ou em quartzito, desde a Baía Farta ao Sombreiro, por essa altura (300.000 anos e mais) faz-nos deduzir que essas comunidades que viviam à borda de água, tivessem que andar uma centena de km quase, para ir buscar matéria prima para fazer os seus instrumentos, porque, sem dúvida, muitos foram talhados no local onde os utilizaram. (vários locais da bacia do Dungo, Ponta das Vacas, Caotinha e Sombreiro)
Isto dá uma ideia da necessidade de obter informações sobre a formação dos terrenos, das jazidas e os afloramentos rochosos.

Apontamentos sobre as estações.

As estações do Sombreiro, Caotinha, Ponta das Vacas (baía Azul) revelaram-se em resultado de descobertas fortuitas de onde se recolheu o material que estava visível e depositado por arrastamento pluvial, o que não permite grandes ilações por se encontrar descontextualizados. Têm em comum o facto de os artefactos apresentarem características tipológicas e pela matéria prima usada em tudo identicas aos recolhidos nas estações do Dungo (Baía Farta). Como podem ver nas fotos os materiais mais nobres são o quartzito e o quartzo (usado sobretudo para os bifaces) embora o silex, o grés e o pórfiro tivessem sido utilizadas, sobretudo para os artefactos feitos a partir de lascas, porventura em épocas mais recentes como o Stilbayense e Sangoense.
Destes destaco o biface encontrado na Caotinha pelo meu irmão nos anos setenta. Foi construído a partir de uma grande lasca de quatrzo leitoso com infiltrações
(Seixo afeiçoado unifacial) ferríticas. A técnica usada terá sido a de percutor de osso ou chifre, depois dos talhes feitos com um percutor rijo.
O gume é linear em todo perímetro, em resultado de pequenos retoques, habilmente executados. Embora seja espesso, a peça é quase uma obra de arte, pela sua simétria e pela regularidade do seu gume.
Estes materiais recolhidos em lugares remexidos (como foi o caso) são de difícil enquadramento cronológico. Do ponto de vista tipológico, o biface está em conformidade com as dezenas de outros bifaces e hachereaux encontrados em estações escavadas e datadas do Dungo. Este é claramente um biface do Acheulense africano( Paleolítico Antigo), o que configura uma cronologia que se situa entre os 6oo.ooo a 300.000 anos antes de nós. Apesar da presença de artefactos tipologica e cronologicamente mais antigos, como é o caso dos seixos afeiçoados uni e bifaciais, estes poderão resultado de um sincretismo tecnológico.
(Caotinha - Biface lanceolado em quartzo)
Estações do Dungo.
O Dungo é um rio seco (oued) que recebe uma série de tributários, desaguando numa superfície arenosa
aluvionar formada pela descargas anuais. Estes cursos de água ao longo de milhares de anos terão deixado à vista em vários locais concentrações de artefactos e restos de talhe provavelmente em resultado do desmantelamento
de carcaças de animais marinhos ou de animais terrestres de médio e grande porte, como os antepassados dos ungiris ou olongos (Tragelaphus strepsiceros) ou mesmo elefantes, atendendo ao tamanho dos instrumentos de corte.

As estações foram estudadas do ponto de vista geológico pelo Dr. Mascarenhas Neto dos Serviços de Geologia e Minas de Angola em 1956, pelo Professor Gaspar de Carvalho que em 1960, que recolheu várias peças líticas, algumas das quais foram oferecidas ao Museu de Antropologia Mendes Corrêa no Porto. Sobre elas resultou um estudo e uma publicação do Dr. Carlos Ervedosa em 1967.

Em 1973 ( com o Dr. Vitor de Oliveira Jorge) e em Janeiro de 1974 visitei a estação de onde foram recolhidas algumas dúzias de bifaces que foram depositados no Museu de Arqueologia dos Cursos de Letras, no Lubango.
Estas foram alvo de alguns estudos de tipologia por parte de alunos, dos Cursos de Letras.

A partir de 1976 por iniciativa de Luís Pais Pinto foram realizadas novas prospecções e anos mais tarde o Dr. Manuel Gutierrez ao abrigo de um acordo de cooperação com o Centre National de Recherches Scientifiques, realizou, em conjunto com uma equipa do Museu Nacional de Arqueologia de Benguela um estudo aprofundado que incluiu escavações e do qual resultou um conjunto de datas atribuindo às estações do Dungo (IV e V) primeiras datações ( na foto onde estamos sentados e do outro lado podem ver-se a camada arenosa que cobre as camadas arqueológicas. a meio a mulola do Dungo) obtidas por métodos científicos.


Aquele arqueólogo francês dirigiu uma equipa ( Claude Guerin, Maria Lena e Maria da Piedade de Jesus) que acabou por descobrir um lugar de "desmontagem" de uma baleia azul ( Balaenoptera sp.) realizada por um grupo de caçadores-recolectores do Paleolítico Antigo e que deixou no local mais de 57 peças, entre bifaces, machados, lascas de diferentes tamanhos e restos de trabalho para obtenção de utensílios, para além dos restos do esqueleto do cetácio.

É de assinalar que o local dista mais de 3 km da costa e a 65m de altura do nível médio das águas, onde deveria existir uma praia do género da Caotinha ou da Baía Azul. O animal foi esquartejado no lugar onde deu à costa e deve ter alimentado o grupo durante um período longo, uma vez que a carne poderia ter sido conservada seca ao sol ou fumada, há mais de 300.000 anos. [ in Exploitation d'un grand cétacé au Paléolithique ancien: le site de Dungo V à Baia Farta (Benguela Angola) - Gutierrez et al. Contes Rendus de lÁcademie des Sciences IIA pages, 357-362, 2001)

O esqueleto da baleia posta a descoberto pela equipa do Dr. Manuel Gutierrez na estação Dungo V
Na praia do Chamume, perto do local, são visiveis vários esqueletos de baleias da mesma espécie que dão à costa, ainda hoje. Terá sido por essa razão que se terão mantido durante provavelmente várias dezenas de anos grupos nómadas sazonais do Acheulense e de épocas posteriores.

A partir de 150.000 anos antes de nós, o clima em Angola tornou-se progressivamente mais seco e o local terá sido invadido pelas areias do Kalahari que terão coberto todo o litoral até provavelmete Luanda. Ao mesmo tempo o mar terá baixado de nível progressivamente à medida que as calotes de gelo aumentavam nos polos, ficando o local, antes batido pelas ondas longe do mar e muito acima do seu nível. Os vestígios de actividade económica dos caçadores-recolectores foram cobertos por dunas de areia de cor vermelha, ainda hoje, em alguns lugares, de um lado e de outro da mulola do Dungo, a altura chega aos 20 metros acima da formação rochosa onde assentam os artefactos.


Provavelmente só viria a ser "ocupada" em períodos mais recentes da cultura Wilton, com os antepassados dos vassekele ou dos Kuissis por volta de 5.000 antes de nós quando o clima se tornou mais favorável.









Alguns exemplares de artefactos de culturas mais recentes (do e ao j) recolhidos pelo professorGaspar de Carvalho e estudados pelo Dr. Carlos Ervedosa e depositados no Museu Mendes Corrêa-da U. Porto. [em Ervedosa, C. A Estação Paleolítica da Baía Farta (Angola), IAMC Univers. do Porto, 1967, est. III]

Outra bibliografia:
- J. Sá Pinto e Luís Lima Garcia - Novas Estações Arqueológicas do Sudoeste de Angola, em "A Província de Angola", s.d. 1974
- GUTTIEREZ (M.) et PAIS PINTO (L.), 1997, Recherches archéologiques sur le Paléolithique Inférieur à Baia Farta au sud de Benguela, Angola, Dossier et recherches sur l'Afrique, 4, pp.89-94.
- GUTTIEREZ (M.), GUERIN ( C.), LENA (M.) et PIEDADE (M.), 2001, Exploitation d'un grand cétacé au Paléolithique ancien : le site de Dungo V à Baia Farta (Benguela, Angola), Comptes-Rendus de l'Académie des Sciences de Paris, 332, pp.357-362. )

sexta-feira, 11 de abril de 2008

Idade do Ferro Angolana - Povoados fortificados



Dedico este texto ao meu colega de Liceu e de Faculdade: Luís Pais Pinto um gandense, já falecido, meu amigo e camarada, fundador do Museu Nacional de Arqueologia de Benguela. Tentou em vão fazer com que regressássemos, para prosseguirmos os estudos arqueológicos.










Apeteceu-me deambular pela História dos povos da região do planalto da Ganda.
Foto: Localização das estações referidas no post
Ali, entre as serranias do Epale, Hondio a Leste o vale do Catumbela junto às comunas de Alto Catumbela e Babaera a Norte, a Serra da Chimboa a Oeste e a bacia hidrográfica do Cubal da Hanha a Sul, a população espraia-se em pequenos quimbos. Enquadram-se no grupo dos Ovimbundo, e designam-se por M’gandas. Como noutros Bantu, as comunidades distinguem-se umas das outras por se agruparem politicamente a uma linhagem, quer dizer, dizem-se pertencentes a um descendente de um soba, ou seja, pertencem a um mesmo soba como na antiga Europa.
As bibliotecas vivas (os sekulos) não sabem quantas gerações passaram desde que ali se instalaram ( os estudos mais refinados sobre a tradição oral, permitem chegar a cerca de 400 anos atrás) pelo que a investigação sobre história local tenha que se rodear de uma série de técnicas para descodificar os sinais do tempo dados pela oralidade. Posto que ele, o tempo, não tem o mesmo significado e duração, como entre nós. Por exemplo: quando falam: “Ame onekulo sekulo Cahanla” ( eu sou neto do avô Cahanla) não sabemos se o sujeito referido na frase é o seu avô, ou bisavô, tetravô, ou por aí a fora…. O tal caála ou cahanla pode ter morrido num período de tempo: 100, 200, ou 20 anos. Porém… todos eles dizem que o tal soba veio de outro sítio, sejam eles M'gandas ou Bailundos ou Seles e se fixou com a sua gente, ali .
Esta “amostra” de problemas metodológicos alongar-se-ia, o que não é o objectivo deste post. Apenas quis dar uma ideia do que se nos depara quando pretendemos pesquisar qualquer facto, sem o recurso à arqueologia.
Regressando à origem da população nesta região, ( vejam na carta os lugares).O que os livros diziam ( Há 30 e mais anos que não se publica nada de etnologia e arqueologia sobre esta região, penso eu, como dizem os angolanos “através” da guerra) os M’gandas chegaram por altura do séc. XVII à região e que esta era ocupada pelos M’Dombes e pelos Vassekeles ( ou mukankalas). Localização das estações Quitavava e Pumbala na carta militar.
Aqueles, pressionados pelas invasões dos Jagas, segundo uns, pelos Portugueses comandados pelo governador Bento Banha Cardoso e os seus capitães do mato no início do Séc. XVII (1611), fizeram deslocar os povos que habitavam o planalto da Quibala, da Cela para Sul, vindo a atravessar o rio Catumbela e instalando-se nas duas margens. Um grupo deslocou-se mais para o planalto abrigado da Ganda. ( na minha opinião esta tese da pressão portuguesa, não parece ter muita ou nenhuma consistência porque não descobrimos nenhuma evidência cultural disso).
Os historiadores Childs, e Hauenstein por outro lado, evidenciam que dentro dos Ovimbundo, os M’Gandas e os Hanha chegaram ao Alto Catumbela, Babaera e por aí a fora, no início do séc. XVII, vindo de Nordeste, fixando-se os Hanha a sudoeste da Ganda ( Cubal da Hanha) e os M’Ganda no local onde os conhecemos, embora nada nos digam se vieram de Leste ou do Norte.
Bem… não sabemos sem outros estudos, precisar a origem ( nem os próprios M’Gandas sabem) sem a arqueologia. Até lá é só: “diz-se que…”. Ainda dentro deste estado de coisas, o pouco que a arqueologia nos pode dizer é o seguinte:
A região foi palco de grandes “macas” entre os clãs Ovimbundo ( Huambos, Negolas de Caconda, Hanha, Balombos…) e entre estes e os: Ganguelas, Jagas ( os célebres jagas de Caconda a Velha conhecidos dos portugueses) Nyanecas de Quilengues e da Huíla.
Foto: Serra do Hondio - Equipa de prostecção da Ul - 1973 Foto Ana Sá Pinto
Porquê?... Essas guerras são provadas pela fortíssima necessidade de fortificar as povoações, ao ponto de permanecerem em zonas quase inacessíveis como a Serra do Hondio (que eu tive, com os meus colegas, a oportunidade de visitar e verificar a complexidade das construções, integrado numa equipa, como sempre liderada pelo Dr. Vitor de Oliveira Jorge) e as cidadelas fortificadas da Quitavava ( Pedreira) descoberta pelo Padre Rocha e a Pumbala ( Pedra do Elefante).
Essas construções e os objectos neles encontrados, provam um grau de tecnologia avançado idênticas às grandes construções da Zâmbia e
Zimbabué


Foto: A Quitavava ou Pedreira. foto em www.cpires.com/alto_catumbela.html A aldeia foi construída no plateaux da montanha granítica e toda a sua extensão.

( sem querer estar a dizer que os M’gandas ou os seus antecessores tivessem vindo dali) e de uma forte organização social ( não se governa mais de 1500 ou mais pessoas da Quitavava, se assegura a sua defesa e abastecimentos, sem uma elevada capacidade de administração).
Nas fotos: Escavações da cabana 1 e 2 da Quitavava. Equipa da U.L. Julho de 1973.Foto de V.O. Jorge









Foto de artefactos. Ponta de seta em ferro e bordo cerâmico da Quitavava Fotos em www.cpires.com/alto_catumbela.html.

A Quitavava e Pumbala, convêm esclarecer, são dois “inselberg” de granito ( elevações que sobressaem do planalto como se fosse uma mama) com cerca de 100m no primeiro caso e no segundo uns 300 em relação ao solo, situados de cada lado do rio Catumbela. No topo foram construídas cerca de 500 cubatas em média no primeiro caso e nos locais de mais fácil acesso foram construídos alguns panos de muralha com pedra vã aparelhada que serviam de sustentação das terras e teriam provavelmente uma paliçada. No primeiro dos montes foi feito um trabalho de escavação de duas cabanas e foi feito o levantamento preliminar de outras, em toda a sua extensão. No segundo apenas uma prospecção com recolha de artefactos para contextualizar o estudo que a equipa a que pertencemos da Universidade de Luanda (Cursos de Letras do Lubango) realizou em Julho de 1973. Nela foram registados uma centena de alicerces de cubatas feitas em pedra, seguindo a mesma técnica do que na Quitavava.
Foto: Abrigo com pinturas rupestres da Serra do Hondio. Julho de 1973 Foto de dr. V.O, Jorge A Serra do Hondio quanto a mim o local de maior interesse arqueológico pelo facto de possuir um abrigo granítico de grandes dimensões com pinturas rupestres semelhantes em importância às de Caninghiri, é igualmente um povoado .fortificado absolutamente inédito, à espera de estudos e de enormes proporções pela sua extensao. No Hondio, indicado pelo gandense Sr. Joaquim Ferreira Júnior que bem conhecia estes locais,
os habitantes souberam construir vários níveis de muralha seguindo as cotas do terreno, formando socalcos suportados por pedra aparelhada. Foram também descobertas grandes quantidades de escória de ferro, resultante de fundição local.
Pumbala Foto 1 vista do Inselberg Pumbala ( "pedra do elefante"), à esquerda, com a Serra da Chimboa ao fundo. Foto em
www.cpires.com/alto_catumbela.html








Foto 2 Prospecção da Ul em Julho de 1973.Vê-se em segundo plano os restos de muralha no rebordo do plateaux para ter uma ideia da altura, reparem na árvore em último plano no meio de um arimbo, trata-se de um mutiate com cerca de 15 metros de altura.Foto de V.O.Jorge.

Outra estação importante foi o Abrigo1 da Ganda (distante uns seis km, mas com uma diferença de cotas de cerca de 300m) e foi o único local que mereceu três campanhas de escavações, (não completadas desde 1971 a 1973 dirigidas pelos Drs Vitor Gonçalves e Vitor Jorge) e que revelaram, entre vários artefactos da Idade do Ferro, um forno (cremos que completo) de siderurgia de grandes proporções e que deve ter estado activo umas dezenas de anos, a avaliar pela quantidade de escórias.

Foto: Março de 1973. Abrigo 1 da Ganda. Escavações realizadas pela equipa coordenada pelo Dr. Vitor de Oliveira Jorge, nosso professor de Pré-História. No sentido longitudinal, vê-se a vala sondagem realizada pelo Boaventura Santos, nosso colega, sob a direcção do Dr. Vitor Gonçalves, um ano antes. No sentido transversal a vala sondagem realizada por nós.Foto de V.O. Jorge
Este abrigo natural é um recôncavo num soco granítico com uns 12 metros de boca e uns 3 de Altura ( em relação aos sedimentos actuais). Serviu de oficina de fundição e o nível onde se situava a calha, por onde escoava o ferro derretido, ficava a cerca de um metro abaixo do nível actual. Este facto sem que haja datação pelo C14, permite arriscar que foi construído há mais de duzentos anos e seria contemporâneo, pela semelhança na cerâmica e noutros artefactos, das outras estações citadas. (Susana O.Jorge)


Na foto: Início da desmontagem dos sectores W. da vala Q1, Q2 e Q3. Foi no Q2, onde tenho o pé que se encontrou a 1 m, a calha de vazamento do forno de fundição. No quadrado em primeiro plano, também a 1 m foi encontrado um esqueleto (pés e pernas) humano, veem-se para além de mim a Ana e de costas a Olívia.Foto de V.O. Jorge.
Voltando à problemática da História da terra gandense. No local ( 1973 a 1975) não houve uma só pessoa da população dos mais velhos, que nos dissesse, que alguém lhes tinha contado, que havia aldeias no Hondio ou em cima das pedras da Babaera e Alto Catumbela. Isso parece indicar ( até que possamos datar os vestígios que saíram das escavações através da análise dos isótopos de carbono e termoluminescência) que, pelo menos, as fortificações foram abandonadas há mais de cento e cinquenta anos.
Foto. Um algaraviz em barro refratário. Trata-se de uma peça que encaixa no forno e serve de ligação entre o fole e a câmara de fundição.Foto de V.O. Jorge.

Os três locais onde se encontraram aldeias montadas em Inselbergs ou serras do vale da Ganda ou do planalto do Alto Catumbela-Babaera já citados, desituam-se numa rota usada pelas caravanas que faziam circular mercadorias do interior do Bié para Benguela e Catumbela, conhecida e explorada desde os primórdios do século XVII .
Primeiro pelas caravanas de escravos, depois pelas caravanas da cera, do marfim, e finalmente da borracha.


Planta do Abrigo 1 com a localização das valas de sondagem em Susana Jorge.

Esse facto pode estar na origem dos ataques de exércitos de sobados do interior do Huambo na tentativa de controlar o tráfego e em consequência da necessidade de defesa dos M’Gandas daqueles, ou das incursões dos bandos armados pelos funantes, ou mesmo dos portugueses de Benguela ( S. Filipe, para não confundir com Porto Amboim.
A verdade é que o facto de se descobrirmos no alto da Pumbala ( Pedra do Elefante) na Quitavava, no Hondio ( menos) e no Abrigo 1 da Ganda, quantidades substanciais de escória de ferro, algaravizes ( tubos de argila refractária) e de fornos de fundição de ferro ( neste caso no Abrigo 1 da Ganda), isso demonstra a grande capacidade logística de guerra e de resistência dos povos ali instalados. Subir uns trezentos metros de altura por pedra lisa quase na vertical, carregando minério, água e alimentos para alimentar umas dezenas de famílias ( no caso da Quitavava e Pumbala) nuns meses e manter a logística, só era possível com uma excelente capacidade de organização.
A ocupação efectiva do planalto pelos portugueses, só foi possível na segunda década do século XX quando a população passou a considerar vantajoso os negócios ou o emprego na construção do caminho de ferro de Benguela e na plantação de eucaliptos para alimentar as locomotivas já na década de vinte e depois nas plantações de sisal.
Conclusão. Os M’gandas tal qual os conhecemos, das duas uma: ou são efectivamente anteriores à fundação de Benguela e permaneceram no local até à sua ocidentalização e “pacificação” no início do séc. XX, ou vieram depois de outro povo lá ter estado, que falta averiguar, (seriam os M’dombes) que entretanto teve que migrar dali. Uma coisa parece ter aceitação de todos: Os Hanha pelo seu modo de vida ( com mais gado e vivendo mais à volta dele) são os mais antigos na bacia do Bonga, do Cubal da Hanha mas não devem estar relacionados com as construções amuralhadas. Os M’ganda vieram depois e devem tê-los submetido, implantando sua cultura tradicional, mais ligada à agricultura da Massambala e menos ao gado e salvo prova em contrário, seriam os habitantes das tais fortificações.
A finalizar: Muito há a fazer para estudar a região e neste caso, só com uma equipa envolvendo várias disciplinas desde a arqueologia até à linguística, como dizia o nosso professor Vítor Jorge há 34 anos atrás.


Bibliografia:
JORGE, Vitor O. " Estudos Arqueológicos na Região da Ganda, Museu de Arqueologia dos Cursos de Letras da U.L. Sá da Bandeira (Lubango) 1974.


JORGE, Susana O. "Vasos Cerâmicos do Abrigo 1 da Ganda. Guimarães, 1976