Grupo de arqueologia dos Cursos de Letras U.L. Lubango

sábado, 13 de novembro de 2010

Recinto muralhado do Jau - Huila

Os amuralhados do Jau rodeavam uma porção de uma cornija que dava para um vale com cerca de 1,5Km aproximadamente ( do lado direito da fotografia) escavado por uma ribeira. Foi construído com uma planta mais ou menos elíptica com cerca de 200m no eixo maior e uns 50m pelo eixo menor. Compõe-se de duas linhas de muralha assentes em duas cotas do terreno separadas por uns dez metros.
A linha exterior tinha provavelmente dois metros de altura (visível do lado direito) e a do interior cerca de 3m. A comunicação entre uma e outra linha era feito por um espaço em que uma das “abas” se alonga em relação à outra, protegendo assim a entrada. ( visível na foto em primeiro plano)

O muro era formado por lagetas de calcário dolomítico cortadas no próprio local. Eram colocadas com inclinação de cerca 30º para o interior da parede de forma a dar firmeza à construção. ( reparar na figura em primeiro plano)
 
            
O segundo  pano de muralhas era “perfurado” por vigias ( algumas delas de perfil triangular) construídas distando cada uma três ou quatro metros, nuns casos noutras a mais ou menos um metro. Este pormenor arquitectónico a poucos cm do chão, faz suspeitar que se destinava provavelmente à colocação de uma peça de artilharia de pequeno calibre, ou serviria para lançar setas com os arqueiros ajoelhados.
Relativamente à cronologia, de acordo com o que apuramos de um conjunto de inquirições aos sobas da região, teriam sido usadas nas guerras entre Nhhanyecas e Kwanyamas durante o princípio do século XIX embora tudo leva a crer que teriam sido construídas bem antes. O padre Carlos Esterman também as situa no século XIX, presumindo que tivessem sido também usadas nas campanhas de João de Almeida.
Pelo facto de não serem evidentes a construção de cabanas com base em pedra ou à maneira Muhuíla ( a arqueologia dar-nos-ía essa informação) leva a pensar 
 que seria uma ocupação temporária, enquanto durasse a campanha militar.
Infelizmente não foi possível fazer escavações para recolha de artefactos ( à escepção de alguma cerâmica com colo decurado com caneluras) que nos indicassem se o período de utilização fora longo ou curto e quais os seus construtores/utilizadores. Era um dos muitos projectos que a equipa de estudos arqueológicos dos Cursos de Letras da Universidade de Luanda tinha em carteira em 1974/75.

Muhuíla casada ( o corpo de cone simboliza o dote em cabeças de gado ) provavelmente descendente dos antigos construtores do amuralhado (fotografia tirada por mim há 1973 numa aldeia próxima) .

domingo, 1 de março de 2009

Contribuição para a compreensão da metalurgia do ferro em Angola

O fabrico de instrumentos e armas em ferro é relativamente antigo no continente africano a sul do Saara. Consensualmente, está do ponto de vista tecnológico, associado a uma agricultura desenvolvida e ou às sociedades predominatemente pastoras/guerreiras, bem como à expansão Bantu.
(Difusão da metalurgia segundo Posnansky in B. Fagan África Austral 1968)


Na história de Angola faltam os dados da arqueologia na maior parte do território para a atestar a ancestralidade do uso regular da metalurgia anteriores à formação dos reinos do Congo e Angola, sendo certo que as comunidades bantus que os formam, já eram especialistas da tecnologia do ferro à chegada dos europeus em 1482.
Apesar disso, a antiguidade da metalurgia no noroeste angolano veio a confirmar-se com as escavações de zonas adjacentes dos túmulos em pedra vã de falsa cúpula região de kapanda ( Pungo A Ndongo), que revelaram a presença de elementos identificadores da cultura do ferro comprovadamente mais antigos do que se esperava: c. 139 d.C.(Gutierrez, 1999).




Outra perspectiva difusionista sobre o percurso de difusão do ferro na África Austral que corresponde mais aos critérios de difusão linguística



Já para as estruturas mais complexas da cultura do ferro, nos planaltos centrais de Angola, como sejam aquelas que se aproximam das existentes no Zimbabwe e no Transvaal, tidas como referência para a Idade do Ferro da África Austral, a datação obtida pelo mesmo método (Carbono 14) remete para o século VIII da nossa era, as amostras colhidas no amuralhado do Feti (Huambo). O que vem a conferir uma antiguidade também notável.(idem).

Pena é que não haja mais informação proveniente de escavações arqueológicas de lugares, como o Oci, que tem cerca de 9 km de perímetro (tinha, pois o lugar foi inundado pela barragem da Matala), os amuralhados da Huíla e Jau, Abrigo 1 da Ganda, Hondio, as sepulturas de pedra vã da região da Quibala, entre outras. Os estudos realizados não deram como resultado qualquer datação por métodos científicos que permitam consolidar a ancestralidade da chegada da metalurgia do ferro a Angola.

As que temos, contudo, vieram a desiludir os que defendem a tese difusionista da metalurgia do ferro na zona ocidental da África Austral, ( J. Ki-Zerbo e muitos dos anglófonos) a partir dos povos nilóticos ou mesmo para os defensores da sua difusão, no mesmo sentido, na qual a introdução do ferro se deu pelos povos instalados na Zâmbia ou no Zimbabwe (por exemplo, Brian Fagan).

A metalurgia do ferro e do cobre em Angola, revelaram-se, de acordo com a tradição local e com a documentação deixada pelos clássicos da historiografia colonial, associadas à extensão da posse/usufruto de territórios e da guerra . Presumivelmente por essa razão, surge apropriada por um estrato político-social que configurou, ao longo do tempo, confederações de chefaturas e em reinos posteriores.
É exemplo disso, no Reino do Congo, a tradição da escolha do mani sobre um ferreiro, ou a quem se lhe atribuía os poderes dos mestres forjadoras,(G. Balandier) designado por ntotila, tal como em muitas das comunidades patriarcais que se espalharam pelo planalto central e na zona sudoeste. Naquelas comunidades, o mestre forjador era sempre aquele que conhecia os poderes da transformação da matéria e da continuidade da relação entre os espíritos dos ancestrais e as famílias que formam a comunidade viva. A um tempo respeitado e a outro temido, portanto.

Célebre imagem da corte do Congo onde se regista o trabalho da forja com um fole de uma única peça em madeira com dois insufladores, com o mestre a aperfeiçoar um machado de dignatário, segundo João A. Cavazzi de Montecúccolo
Nas comunidades que se estabeleceram nos planaltos abaixo do alto Catumbela, do Alto Cubal a até à terras dos nhyaneka, os ferreiros eram muitas das vezes considerados curandeiros e também feiticeiros, pelo que as suas oficinas eram sempre recatadas e fora das aldeias, em lugares como grutas ou abrigos sob rocha, cuja devassa corria os riscos de sofrer consequências nefastas pelos prevaricadores. Tal como no caso dos chefes na sua cabana (o corpo), o forjador seria inumado no local da oficina de fundição ( como terá sido o caso do Abrigo 1 da Ganda).

Planalto do rio Cubal da Hanha (foto do autor)


Culturalmente, a forja de fundição era sempre considerado um lugar sagrado e por isso um lugar de culto, particularmente entre as sociedades mais sedentárias e menos inflenciadas pelo modo de vida europeu. Nas comunidades que possuíam lugares definitivos para a instalação de forjas (em toda Angola, à excepção dos Ambós e Nhyaneca Humbis, Cuvales) quando um elemento adoecia, era frequante levá-lo ao lugar da fundição e competia ao forjador realizar a cerimónia com recurso ao sacrifício de algum animal (geralmente uma galinha), nomeadamente, mais do que obter a cura, saber quem tinha provocado a doença.
Na fotografia dois manipuladores dos foles duplos em madeira e couro . Os insufladores estão presos a duas varas que são levantadas e baixadas alternadamente, fazendo entrar na fornalha o ar, capaz de fazer atingir , na fornalha, cerca de 900 graus centígrados. in http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=5750484022669949554&postID=3297740313367549872

Do ponto de vista sociológico, nas sociedades mais complexas e organizadas em chefaturas ou reinos, a mina, os lugares de depósito do minério e zonas de “garimpo” eram propriedadde do soba ou do rei. Quando o mestre forjador não era o próprio chefe, a oficina de fundição era administrada pelo mestre, mas participando nos trabalhos os elementos da comunidade, em particular do clã do forjador. O trabalho de colheita do minério e a sua preparação era destinado às mulheres, mesmo entre os povos pastores.
Não é atribuida qualquer qualidade ao minério, enquanto rocha, para se transformar em objecto utilizável. É o mestre forjador que tem essa qualidade e fá-lo, não só na determinação de qual é a pedra adequada, como também na construção do próprio forno e os seus periféricos ( foles, algaravizes, calha de fundição, bigorna, etc). Fotografia representando a fase final da fundição com a abertura da "boca" do forno e o início da obtenção do lingote de ferro na suia fase primária. Posteriormente será retemperado e purificado com várias operações de forja e batimento em bigorna. in http://2.bp.blogspot.com/_0C1BxMYbeMo/SasY-G0c2vI/AAAAAAAAARM/uqQw_dJ_OEg/s320/iron_smelting7.jpg
É ele que preside ao ritual de passagem que constitui a fundição, em que o ar expelido pelos foles (sempre manipulados por elementos do sexo masculino, que realizaram os ritos de passagem para a idade adulta) representa a masculinidade, o sémen da vida e a fornalha, o útero da mulher e o ferro incandescente que escorre da boca da fornalha (equivalente cultural da vagina) a nova vida e depois, o artefacto.


Uma fornalha antropomórfica, segundo a tradição Tchokwe ( embora também seja esta a tradição dos povos da Zâmbia e entre os Zulus na RAS) reparem na representação feminina, na posição de parto. Luachimo. Lunda Sul ( Boletim Cultural do Museu do Dundo, 1960, Bacellar Bebiano)


Fotografia de um pedaço de escória de ferro que serviria depois para refundição descoberto na Quitavava-Alto Catumbela por Carlos Pinhão.








Bibliografia:

Ana e Jorge Sá Pinto "Civilizações do Ferro em África" in nº 1 da revista Clepsidra Out/Nov/Dez. Lubango1973
Brian Fagam " A África Austral" col. Historia Mundi Verbo, Lisboa 1970.
Manuel Gutierrez Archéologie et Anthropologie de la Nécropole de Kapanda L'Harmatatan, Paris 1999.


quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

O sal: tecnologia e o seu papel nas relações humanas.

(A Baía de Benguela. Aqui se instalaram desde cedo produtores e comerciantes de sal, sempre controlados pela superestrutura dominante. fotografia de Lelo Sá Pinto)

A produção e a comercialização do sal em Angola, condicionou durante séculos as relações entre os povos que se fixaram no território angolano.
O sal como toda a gente sabe, é fundamental para a sobrevivência do homem e nas terras quentes e húmidas, o organismo está sujeito a enormes perdas de sal através da transpiração, o que leva a ter de compensar a dieta comum com alimentos ricos em sal e com a adição do mesmo na culinária (para além do jindungo). Os angolanos ( como aliás outros africanos) utilizam o sal também como compensador do excesso de ácido no estômago, como tratamento de doenças do trato digestivo e ainda como cicatrizante misturado com outras substâncias.
Os povos pastores como os Kwanyamas e os Kuvales utilizam ainda o sal como suplemento da alimentação do gado, recorrendo às pastagens conde abundam as ervas salgadas, ou mais raro, fazendo o gado lamber bolas de sal.
Muito antes da chegada dos portugueses à costa de Angola, são conhecidas algumas rotas do sal que ligavam aldeias da costa, como a ilha de Luanda, sede dos axiluanda ou as aldeias da Kisama , Sumbe e Benguela em direcção ao interior, para as sedes dos grandes estados centrais dos Luba-Lunda, Katanga e daí aos estados da Actual Zâmbia. Este circuito era multiplicado por numerosas redes de comerciantes estabelecidos nos postos de revenda controlados pelos sobas e seus vassalos.
O poder de muitos dos sobas era atribuído pela posse, da produção ou do controlo da rota ou do posto de revenda. Era frequente, o pagamento de tributos de reconhecimento por parte de sobas tributários com sal. Essa importância vem assinalada por exemplo, pelos nossos bem conhecidos Brito Capelo e Roberto Ivens na sua obra “De Benguela às terras de Iaca” publicada em 1881, quando visitaram o Kazembe.
(Uma comitiva no final do séc. XIX. As comitivas chegavam a ter 500 carregadores. Chegando a Benguela, regressavam com sal, pólvora, peças de pano e artefactos vários)


Isabel Henriques cita também o facto (que é curioso) entre as populações Pende (NE de Angola) um elemento da família, o terceiro filho, ficava sempre destinado a garantir o abastecimento de sal à família sendo designado por filho do sal. A autora não diz como é que assim se garantia o bem precioso, mas deduzo que fosse trocado por sal. ( não forçosamente como escravo para os europeus) ( Isabel C. Henriques, “Sal, comércio e poder em Angola no séc. XIX”, actas do Colóquio Construção e Ensino da História de África, pp 355-367) ou então seria este elemento da família a produzir o referido sal.
O sal, ainda no tempo colonial até à II Guerra de Libertação, era produzido/obtido através de diversos processos com mais ou menos intervenção de tecnologia.
Na costa, pelo menos Benguela a nova ( verdadeira Benguela) e na região do Cacuaco, à chegada dos portugueses o sal era obtido por evaporação sem intervenção de qualquer tecnologia, sendo recolhido o depósito nos pântanos de água salobra. Também em Benguela no lugar conhecido entre o Coringe e a escarpa das Bimbas recolhia-se a terra com salitre e deixava-se de molho em cabaças. Decantava-se a água que se deixava evaporar.
Outro processo consistia em fazer uma infusão de ervas que crescem em vários locais da savana seca ou semi desértica, deixando-se evaporar o líquido. Ainda um outro citado por Isabel Henriques, era queimar o capim salgado e as suas cinzas eram depois misturadas com água, indo tudo para uma panela, onde o composto era fervido até se esgotar o líquido, retirando as impurezas que subiam à superfície com a ebulição.
Este processo vi também ser usado ao Sul da Baía Farta e também na Guiné Bissau, mas com a própria água salgada, sem o capim.
Outro processo junto à costa entre os Axiluanda, era semelhante ao usado nas salinas construídas pelos portugueses, mas de pequeníssima dimensão. À agua era recolhida com cabaças e despejada em pequenos tinas escavadas tornados impermeáveis com gordura.
Mas seguramente, a fonte mais conhecida para além do sal fornecido pelas salinas portuguesas, da costa angolana, era o sal gema retirado da região da Kissama. Essa região terá sido palco das mais antigas, prolongadas e violentas guerras que Angola conheceu até à chamada pacificação, porventura pela posse do Sal. O sal aqui era extraído do solo e talhado em diferentes formatos. Segundo um autor brasileiro que visitou Angola em 1792, Elias Corrêa, o sal da Kissama era propriedade do rei local e tinha qualidades curativas famosas. Entrava depois no circuito criado pelos portugueses. Segundo o mesmo autor, este sal circulava depois para outros territórios coloniais, incluindo o Brasil.
Sobre esta região, mas sobretudo pela sua fama como produtora de sal, vem referido nas tradições orais de alguns povos do Nordeste de Angola como por exemplo os Imbangala. De acordo com Henrique de Carvalho, o fundador do reino o soba Kinguri deslocou o seu clã do território do Kassai para dirigir-se ao ocidente em direcção à bacia do Quanza para se instalar no país do sal, assim que as minas foram conhecidas naqueles territórios. Não conseguindo conquistar fixou-se nas margens do Kwango na região de Kassange controlando assim o entreposto da rota do sal para o nordeste angolano. (H. de Carvalho, Etnografia e Hitória Tradicional dos Povos da Lunda, 1890).
Apesar da presença portuguesa até meados do século XIX não se sentir para além duma linha que não ía mais do que três ou quatro centenas de quilómetros para o interior, o comércio de sal, logo que o comércio de escravos começou a declinar, foi talvez o último meio de produção que resistia nas mãos do angolanos autóctones depois das peças em cobre, do latão e do ferro locais, terem sido engolidos pela globalização colonialista.

Bibliografia de referência: Isabel C. Henriques, “Sal, comércio e poder em Angola no séc. XIX”, actas do Colóquio Construção e Ensino da História de África, pp 355-367.
Henrique de Carvalho- “Etnografia e História Tradicional dos povos da Lunda”, Imprensa Nacional, Lisboa, 1890
Capelo e Ivens “De Benguela às terras de Iaca” vol.I, Imprensa Nacional, 1881.

sexta-feira, 16 de maio de 2008

Benguela - fundação I









Até 1610 o “reino de Benguela” era apenas um referência para os portugueses de Luanda. A Prata de Cambambe e os negócios com Angola e o Congo (com Álvaro II) ofuscaram sempre a ideia de ir para o Sul. Em Luanda chegavam notícias de haver muito cobre nos planaltos de Benguela em lugares onde ninguém sabia precisar. O facto é que à costa chegavam aos tripulantes pulseiras em latão ou em cobre atribuíveis aos Quilengues e Mhuílas.
É com o Governador Manuel da Cerveira Pereira (governador Geral entre 1603 e 1607) e o seu sucessor Manuel Pereira Forjaz (Governador Geral entre11607 a 1615) que o sertão” de Benguela chega aos ouvidos do rei luso espanhol Filipe II, por empolamento do primeiro governador, ambicioso e hábil em manobras políticas, das riquezas minerais ao Sul do Cuanza, logo que a fama da prata de Cambambe provou o logro a chegaram.
Manuel Cerveira Pereira depois de se ver livre da prisão por desvio de fundos e falsificação de documentos da fazenda, graças porventura às sua propaganda sobre o projecto de alargar para sul a influência da coroa e da bíblia para as terras de Ombaka e alcançar o ouro do Monomotapa, conseguiu a proeza de o rei o ilibar de todas as culpas em 1609 passando a elogiá-lo.
Em 1612 foi escolhido para conquistar o Sul quando era Governador-geral, Bento Banha Cardoso. Para tal façanha o arrojado militar da coroa não exigia nada mais do que formar um novo reino, do qual seria ele o titular administrativo. Apesar de não ter sido satisfeito uma parte significativa da exigência em recursos, conseguiu de facto que, em Abril de 1615, lhe fossem entregues alguns meios para a conquista e instalação de uma sede do reino. Como a autoridade do Rei nem sempre era sentida no terreno. O Governador-geral tratou de boicotar, por não querer a separação do reino de Angola, ou por não dispor mesmo, dos meios requeridos por Cerveira e inscritos no alvará régio de Fevereiro de 1615.
Na verdade, é que o capitão Cerveira que além da fama ( com proveito) de ser corrupto e amigo da delapidação dos interesses da fazenda real, tinha ainda a fama e, de facto, o proveito, de ser arrogante, cruel e mau carácter. Por estes predicados todos, os meios militares que queria, não foram conseguidos. (modelo de uma nau de guerra do início do séc. XVII como a que Cerveira levou para Benguela)
Anda assim Cerveira largou de Luanda a 1 de Abril de 1617 com “ 130 homens armados da tropa branca e negra, em quatro navios e um patacho” .
Passou depois à procura do lugar ideal para fundar a capital. Sabe-se que chegou quase a
Tômbua à procura do lugar, gastando parte do cacimbo nisto: para trás e para a frente, desde Benguela a Velha.
( modelo de um patacho, uma das embarcações que acompanhou a esquadra capitaneada por M. C. Pereira) Contudo a 17 de Maio decidiu-se pelo território entre o Rio Cavaco e o rio Coringe isto é o pior sítio que podia encontrar pela sua insalubridade. Escondido pela generosidade do cacimbo de 1617, os pântanos do Coringe e da foz do Cavaco (ou Marimbombo), viriam uns meses mais tarde a revelar-se fatais. Mesmo assim orgulhoso, nunca reconheceu o erro.
Rezava assim a carta que enviou ao seu protector Filipe II a justificar a escolha do local:
“ Por não achar em toda esta costa até à altura dita (de quinze graus e meio) melhor porto, terra de mais salutíferos ares, fértil e abundante do mantimento da terra, como a abundância de muito e diverso peixe que há nesta baía, estando vizinho de dois rios que correm de excelente água” ( Alfredo Felner – Angola, pág. 546) situado na Baía que antes tinha sido apelidada por S. António e onde antes Paulo Dias de Novais tinha mandado construir um fortim. Para bajular o rei, chamou-lhe de cidade de S. Filipe de Benguela. Com São Lourenço, seu padroeiro.



Estava assim fundada a cidade de Benguela.


Este bem que poderia ser o aspecto do rio Marimbombo ( Cavaco) que fez Cerveira Pereira a decidir-se pelo local.



Consultas: Delgado, Ralph, História de Angola 2º volume . Edição do Banco de Angola,)

terça-feira, 15 de abril de 2008

Arqueologia de Benguela - Early Stone Age.

A zona costeira do Município da Baía Farta é uma das zonas, mais exploradas pela Arqueologia no período mais recente da História de Angola. O texto que se segue resulta do conhecimento que tenho das estações prospectadas como da leitura de alguns textos que foram publicados, pelo Instituto de Antropologia Mendes Corrêa da U.P. e pela Academie des Sciences

A região é conhecida internacionalmente, sem dúvida, pelo o facto de haver em Benguela desde 1979 o Museu Nacional de Arqueologia. Nele, para além do seu fundador e primeiro director, o Luís Pais Pinto, trabalhou também em cooperação o Dr. Manuel Gutierrez do CNRS (Centre National de Recherches Scientifiques) centro que é uma das catedrais da arqueologia mundial. Alguns trabalhos foram publicados nas mais prestigiadas revistas da especialidade, graças ao empenho do Luís e do Manuel que formaram no terreno uma equipa de jovens arqueólogos benguelenses. Devo dizer que o referido Museu foi fruto de uma carolice persistente, do meu colega gandense. Primeiro, foi apadrinhado pelo Historiador Henrique Abranches e através dele, pelo próprio Presidente Agostinho Neto que aprovou não só a sua criação, como do estabelecimento do seu quadro de pessoal e dotação financeira. Segundo, foi intalado no edifício do Cabo Submarino, ( que é objecto da própria arqueologia industrial), depois de um estágio no edifício do antigo Grémio do Milho.
O texto que se segue é uma das muitas reflexões sobre o período mais antigo da ocupação da zona. Uso aqui o termo Early Stone Age, não por uma questão de snobice mas porque é o mais usado para a História de África. Este período, para quem não está familiarizado, corresponde em termos cronológicos ao periodo cultural que começa com os primeiros hominídeos, há 4 milhões de anos antes de nós, até à generalização das primeiras indústrias líticas feitas com base em núcleos previamente preparados, o que na África Austral, se situa por volta 250.000 anos antes de nós, embora se continuasse a usar instrumentos com técnicas e formas do período anterior, até quase ao aparecimento da metalurgia. Do ponto de vista paleontlógico corresponde a duas fases de hominídeos: Homo Habilis e Homo Erectus e os primeiros Sapiens.
O contexto geomorfológico das estações.
Do ponto de vista geológico, o território que o texto se refere, é coberto por terrenos de formação Cretácico-Quaternárias, junto à costa, correspondendo, pois a formações sedimentares que vão da Equimina até ao Sumbe, e uma faixa paralela àquela e à linha da costa, mais para o interior, que corresponde a formações Proterozoicas, mais antigas portanto.



Quanto à orografia, as estações conhecidas, assentam em bancadas planas ( plateaux), situam-se ( hoje) entre os 90 e os 120 m de altitude e excepto o caso da Caotinha, que por causas provavelmente telúricas, vão dos 0 m (junto à praia) a cerca de 150 m no ponto mais alto.


Na foto: (de João Sá Pinto) podemos ver um pouco da estatigrafia que vem esquematizada aqui em baixo. Vê-se a meio um rebaixamento do plateau, ficando as camadas inclinadas. Onde se vê um edifício, pertencente à diocese de Benguela, correspondia há 300.000 anos o nível do mar e as rochas onde as ondas batiam ( conglomerado marinho) ainda se podem ver do lado direito, não na sua posição original, que seria a 100m do nível do mar, à cota do tal edifício.





Quanto à estatigrafia: (picar aqui ao lado para aumentar). O solo é formado por camadas em geral paralelas ao mar ( excepto em alguns locais, como já referi.). Estas camadas são em muitos locais cortadas por linhas de água sasonal (oueds) , formando, nalguns locais verdadeiros canyons ( Dungo-Baía Farta, Canguengo, Tchitandalucúa, etc.) noutros a erosão pluvial terá formado vales largos limitados por escarpas, como o caso da Caota ou da Baía Azul. Nas escarpas, a erosão torna possível visionar a estratigrafia em corte e permite-nos também, descobrir artefactos en place.

Interpretação da evolução geológica dos locais.

Apesar da “aridez “ da abordagem geológica, ela é incontornável, no caso do estudo da pré-história de Angola, onde não se dispõe ainda de um conjunto satisfatório de datações suportadas laboratorialmente. ( Lembro-me que o Luís Pais Pinto e antes o Dr. V. O. Jorge da UL bem se baterem pela sua instalação de laboratórios para análise física e química dos documentos materiais em Benguela, no primeiro caso e no Lubango, no caso do segundo).

Uma vez que os factos geológicos têm características idênticas no Sudoeste de Angola e onde algumas das formações estão datadas, os documentos materiais de comunidades humanas e da sua inter acção com o ambiente, podem por contextualização, serem aferidas cronologicamente por analogia.
Assim o estudo da geologia permite explicar a acção predadora sobre determinados animais marinhos e depositados a mais de três km da costa actual e a mais 100m do nível actual do mar.
Em termos práticos: Há mais de 300.000 anos o nível do mar encontrava-se 150-120 m do nível actual na zona de Benguela. Isso faz deduzir que toda a zona entre a Bela Vista no Lobito até aos morros das Bimbas e de S.António/Sombreiro, estivesse eventualmente debaixo de água durante umas centenas de anos. Por outro lado, o facto de se terem encontrado dezenas de artefactos em quartzo leitoso ou em quartzito, desde a Baía Farta ao Sombreiro, por essa altura (300.000 anos e mais) faz-nos deduzir que essas comunidades que viviam à borda de água, tivessem que andar uma centena de km quase, para ir buscar matéria prima para fazer os seus instrumentos, porque, sem dúvida, muitos foram talhados no local onde os utilizaram. (vários locais da bacia do Dungo, Ponta das Vacas, Caotinha e Sombreiro)
Isto dá uma ideia da necessidade de obter informações sobre a formação dos terrenos, das jazidas e os afloramentos rochosos.

Apontamentos sobre as estações.

As estações do Sombreiro, Caotinha, Ponta das Vacas (baía Azul) revelaram-se em resultado de descobertas fortuitas de onde se recolheu o material que estava visível e depositado por arrastamento pluvial, o que não permite grandes ilações por se encontrar descontextualizados. Têm em comum o facto de os artefactos apresentarem características tipológicas e pela matéria prima usada em tudo identicas aos recolhidos nas estações do Dungo (Baía Farta). Como podem ver nas fotos os materiais mais nobres são o quartzito e o quartzo (usado sobretudo para os bifaces) embora o silex, o grés e o pórfiro tivessem sido utilizadas, sobretudo para os artefactos feitos a partir de lascas, porventura em épocas mais recentes como o Stilbayense e Sangoense.
Destes destaco o biface encontrado na Caotinha pelo meu irmão nos anos setenta. Foi construído a partir de uma grande lasca de quatrzo leitoso com infiltrações
(Seixo afeiçoado unifacial) ferríticas. A técnica usada terá sido a de percutor de osso ou chifre, depois dos talhes feitos com um percutor rijo.
O gume é linear em todo perímetro, em resultado de pequenos retoques, habilmente executados. Embora seja espesso, a peça é quase uma obra de arte, pela sua simétria e pela regularidade do seu gume.
Estes materiais recolhidos em lugares remexidos (como foi o caso) são de difícil enquadramento cronológico. Do ponto de vista tipológico, o biface está em conformidade com as dezenas de outros bifaces e hachereaux encontrados em estações escavadas e datadas do Dungo. Este é claramente um biface do Acheulense africano( Paleolítico Antigo), o que configura uma cronologia que se situa entre os 6oo.ooo a 300.000 anos antes de nós. Apesar da presença de artefactos tipologica e cronologicamente mais antigos, como é o caso dos seixos afeiçoados uni e bifaciais, estes poderão resultado de um sincretismo tecnológico.
(Caotinha - Biface lanceolado em quartzo)
Estações do Dungo.
O Dungo é um rio seco (oued) que recebe uma série de tributários, desaguando numa superfície arenosa
aluvionar formada pela descargas anuais. Estes cursos de água ao longo de milhares de anos terão deixado à vista em vários locais concentrações de artefactos e restos de talhe provavelmente em resultado do desmantelamento
de carcaças de animais marinhos ou de animais terrestres de médio e grande porte, como os antepassados dos ungiris ou olongos (Tragelaphus strepsiceros) ou mesmo elefantes, atendendo ao tamanho dos instrumentos de corte.

As estações foram estudadas do ponto de vista geológico pelo Dr. Mascarenhas Neto dos Serviços de Geologia e Minas de Angola em 1956, pelo Professor Gaspar de Carvalho que em 1960, que recolheu várias peças líticas, algumas das quais foram oferecidas ao Museu de Antropologia Mendes Corrêa no Porto. Sobre elas resultou um estudo e uma publicação do Dr. Carlos Ervedosa em 1967.

Em 1973 ( com o Dr. Vitor de Oliveira Jorge) e em Janeiro de 1974 visitei a estação de onde foram recolhidas algumas dúzias de bifaces que foram depositados no Museu de Arqueologia dos Cursos de Letras, no Lubango.
Estas foram alvo de alguns estudos de tipologia por parte de alunos, dos Cursos de Letras.

A partir de 1976 por iniciativa de Luís Pais Pinto foram realizadas novas prospecções e anos mais tarde o Dr. Manuel Gutierrez ao abrigo de um acordo de cooperação com o Centre National de Recherches Scientifiques, realizou, em conjunto com uma equipa do Museu Nacional de Arqueologia de Benguela um estudo aprofundado que incluiu escavações e do qual resultou um conjunto de datas atribuindo às estações do Dungo (IV e V) primeiras datações ( na foto onde estamos sentados e do outro lado podem ver-se a camada arenosa que cobre as camadas arqueológicas. a meio a mulola do Dungo) obtidas por métodos científicos.


Aquele arqueólogo francês dirigiu uma equipa ( Claude Guerin, Maria Lena e Maria da Piedade de Jesus) que acabou por descobrir um lugar de "desmontagem" de uma baleia azul ( Balaenoptera sp.) realizada por um grupo de caçadores-recolectores do Paleolítico Antigo e que deixou no local mais de 57 peças, entre bifaces, machados, lascas de diferentes tamanhos e restos de trabalho para obtenção de utensílios, para além dos restos do esqueleto do cetácio.

É de assinalar que o local dista mais de 3 km da costa e a 65m de altura do nível médio das águas, onde deveria existir uma praia do género da Caotinha ou da Baía Azul. O animal foi esquartejado no lugar onde deu à costa e deve ter alimentado o grupo durante um período longo, uma vez que a carne poderia ter sido conservada seca ao sol ou fumada, há mais de 300.000 anos. [ in Exploitation d'un grand cétacé au Paléolithique ancien: le site de Dungo V à Baia Farta (Benguela Angola) - Gutierrez et al. Contes Rendus de lÁcademie des Sciences IIA pages, 357-362, 2001)

O esqueleto da baleia posta a descoberto pela equipa do Dr. Manuel Gutierrez na estação Dungo V
Na praia do Chamume, perto do local, são visiveis vários esqueletos de baleias da mesma espécie que dão à costa, ainda hoje. Terá sido por essa razão que se terão mantido durante provavelmente várias dezenas de anos grupos nómadas sazonais do Acheulense e de épocas posteriores.

A partir de 150.000 anos antes de nós, o clima em Angola tornou-se progressivamente mais seco e o local terá sido invadido pelas areias do Kalahari que terão coberto todo o litoral até provavelmete Luanda. Ao mesmo tempo o mar terá baixado de nível progressivamente à medida que as calotes de gelo aumentavam nos polos, ficando o local, antes batido pelas ondas longe do mar e muito acima do seu nível. Os vestígios de actividade económica dos caçadores-recolectores foram cobertos por dunas de areia de cor vermelha, ainda hoje, em alguns lugares, de um lado e de outro da mulola do Dungo, a altura chega aos 20 metros acima da formação rochosa onde assentam os artefactos.


Provavelmente só viria a ser "ocupada" em períodos mais recentes da cultura Wilton, com os antepassados dos vassekele ou dos Kuissis por volta de 5.000 antes de nós quando o clima se tornou mais favorável.









Alguns exemplares de artefactos de culturas mais recentes (do e ao j) recolhidos pelo professorGaspar de Carvalho e estudados pelo Dr. Carlos Ervedosa e depositados no Museu Mendes Corrêa-da U. Porto. [em Ervedosa, C. A Estação Paleolítica da Baía Farta (Angola), IAMC Univers. do Porto, 1967, est. III]

Outra bibliografia:
- J. Sá Pinto e Luís Lima Garcia - Novas Estações Arqueológicas do Sudoeste de Angola, em "A Província de Angola", s.d. 1974
- GUTTIEREZ (M.) et PAIS PINTO (L.), 1997, Recherches archéologiques sur le Paléolithique Inférieur à Baia Farta au sud de Benguela, Angola, Dossier et recherches sur l'Afrique, 4, pp.89-94.
- GUTTIEREZ (M.), GUERIN ( C.), LENA (M.) et PIEDADE (M.), 2001, Exploitation d'un grand cétacé au Paléolithique ancien : le site de Dungo V à Baia Farta (Benguela, Angola), Comptes-Rendus de l'Académie des Sciences de Paris, 332, pp.357-362. )

sexta-feira, 11 de abril de 2008

Idade do Ferro Angolana - Povoados fortificados



Dedico este texto ao meu colega de Liceu e de Faculdade: Luís Pais Pinto um gandense, já falecido, meu amigo e camarada, fundador do Museu Nacional de Arqueologia de Benguela. Tentou em vão fazer com que regressássemos, para prosseguirmos os estudos arqueológicos.










Apeteceu-me deambular pela História dos povos da região do planalto da Ganda.
Foto: Localização das estações referidas no post
Ali, entre as serranias do Epale, Hondio a Leste o vale do Catumbela junto às comunas de Alto Catumbela e Babaera a Norte, a Serra da Chimboa a Oeste e a bacia hidrográfica do Cubal da Hanha a Sul, a população espraia-se em pequenos quimbos. Enquadram-se no grupo dos Ovimbundo, e designam-se por M’gandas. Como noutros Bantu, as comunidades distinguem-se umas das outras por se agruparem politicamente a uma linhagem, quer dizer, dizem-se pertencentes a um descendente de um soba, ou seja, pertencem a um mesmo soba como na antiga Europa.
As bibliotecas vivas (os sekulos) não sabem quantas gerações passaram desde que ali se instalaram ( os estudos mais refinados sobre a tradição oral, permitem chegar a cerca de 400 anos atrás) pelo que a investigação sobre história local tenha que se rodear de uma série de técnicas para descodificar os sinais do tempo dados pela oralidade. Posto que ele, o tempo, não tem o mesmo significado e duração, como entre nós. Por exemplo: quando falam: “Ame onekulo sekulo Cahanla” ( eu sou neto do avô Cahanla) não sabemos se o sujeito referido na frase é o seu avô, ou bisavô, tetravô, ou por aí a fora…. O tal caála ou cahanla pode ter morrido num período de tempo: 100, 200, ou 20 anos. Porém… todos eles dizem que o tal soba veio de outro sítio, sejam eles M'gandas ou Bailundos ou Seles e se fixou com a sua gente, ali .
Esta “amostra” de problemas metodológicos alongar-se-ia, o que não é o objectivo deste post. Apenas quis dar uma ideia do que se nos depara quando pretendemos pesquisar qualquer facto, sem o recurso à arqueologia.
Regressando à origem da população nesta região, ( vejam na carta os lugares).O que os livros diziam ( Há 30 e mais anos que não se publica nada de etnologia e arqueologia sobre esta região, penso eu, como dizem os angolanos “através” da guerra) os M’gandas chegaram por altura do séc. XVII à região e que esta era ocupada pelos M’Dombes e pelos Vassekeles ( ou mukankalas). Localização das estações Quitavava e Pumbala na carta militar.
Aqueles, pressionados pelas invasões dos Jagas, segundo uns, pelos Portugueses comandados pelo governador Bento Banha Cardoso e os seus capitães do mato no início do Séc. XVII (1611), fizeram deslocar os povos que habitavam o planalto da Quibala, da Cela para Sul, vindo a atravessar o rio Catumbela e instalando-se nas duas margens. Um grupo deslocou-se mais para o planalto abrigado da Ganda. ( na minha opinião esta tese da pressão portuguesa, não parece ter muita ou nenhuma consistência porque não descobrimos nenhuma evidência cultural disso).
Os historiadores Childs, e Hauenstein por outro lado, evidenciam que dentro dos Ovimbundo, os M’Gandas e os Hanha chegaram ao Alto Catumbela, Babaera e por aí a fora, no início do séc. XVII, vindo de Nordeste, fixando-se os Hanha a sudoeste da Ganda ( Cubal da Hanha) e os M’Ganda no local onde os conhecemos, embora nada nos digam se vieram de Leste ou do Norte.
Bem… não sabemos sem outros estudos, precisar a origem ( nem os próprios M’Gandas sabem) sem a arqueologia. Até lá é só: “diz-se que…”. Ainda dentro deste estado de coisas, o pouco que a arqueologia nos pode dizer é o seguinte:
A região foi palco de grandes “macas” entre os clãs Ovimbundo ( Huambos, Negolas de Caconda, Hanha, Balombos…) e entre estes e os: Ganguelas, Jagas ( os célebres jagas de Caconda a Velha conhecidos dos portugueses) Nyanecas de Quilengues e da Huíla.
Foto: Serra do Hondio - Equipa de prostecção da Ul - 1973 Foto Ana Sá Pinto
Porquê?... Essas guerras são provadas pela fortíssima necessidade de fortificar as povoações, ao ponto de permanecerem em zonas quase inacessíveis como a Serra do Hondio (que eu tive, com os meus colegas, a oportunidade de visitar e verificar a complexidade das construções, integrado numa equipa, como sempre liderada pelo Dr. Vitor de Oliveira Jorge) e as cidadelas fortificadas da Quitavava ( Pedreira) descoberta pelo Padre Rocha e a Pumbala ( Pedra do Elefante).
Essas construções e os objectos neles encontrados, provam um grau de tecnologia avançado idênticas às grandes construções da Zâmbia e
Zimbabué


Foto: A Quitavava ou Pedreira. foto em www.cpires.com/alto_catumbela.html A aldeia foi construída no plateaux da montanha granítica e toda a sua extensão.

( sem querer estar a dizer que os M’gandas ou os seus antecessores tivessem vindo dali) e de uma forte organização social ( não se governa mais de 1500 ou mais pessoas da Quitavava, se assegura a sua defesa e abastecimentos, sem uma elevada capacidade de administração).
Nas fotos: Escavações da cabana 1 e 2 da Quitavava. Equipa da U.L. Julho de 1973.Foto de V.O. Jorge









Foto de artefactos. Ponta de seta em ferro e bordo cerâmico da Quitavava Fotos em www.cpires.com/alto_catumbela.html.

A Quitavava e Pumbala, convêm esclarecer, são dois “inselberg” de granito ( elevações que sobressaem do planalto como se fosse uma mama) com cerca de 100m no primeiro caso e no segundo uns 300 em relação ao solo, situados de cada lado do rio Catumbela. No topo foram construídas cerca de 500 cubatas em média no primeiro caso e nos locais de mais fácil acesso foram construídos alguns panos de muralha com pedra vã aparelhada que serviam de sustentação das terras e teriam provavelmente uma paliçada. No primeiro dos montes foi feito um trabalho de escavação de duas cabanas e foi feito o levantamento preliminar de outras, em toda a sua extensão. No segundo apenas uma prospecção com recolha de artefactos para contextualizar o estudo que a equipa a que pertencemos da Universidade de Luanda (Cursos de Letras do Lubango) realizou em Julho de 1973. Nela foram registados uma centena de alicerces de cubatas feitas em pedra, seguindo a mesma técnica do que na Quitavava.
Foto: Abrigo com pinturas rupestres da Serra do Hondio. Julho de 1973 Foto de dr. V.O, Jorge A Serra do Hondio quanto a mim o local de maior interesse arqueológico pelo facto de possuir um abrigo granítico de grandes dimensões com pinturas rupestres semelhantes em importância às de Caninghiri, é igualmente um povoado .fortificado absolutamente inédito, à espera de estudos e de enormes proporções pela sua extensao. No Hondio, indicado pelo gandense Sr. Joaquim Ferreira Júnior que bem conhecia estes locais,
os habitantes souberam construir vários níveis de muralha seguindo as cotas do terreno, formando socalcos suportados por pedra aparelhada. Foram também descobertas grandes quantidades de escória de ferro, resultante de fundição local.
Pumbala Foto 1 vista do Inselberg Pumbala ( "pedra do elefante"), à esquerda, com a Serra da Chimboa ao fundo. Foto em
www.cpires.com/alto_catumbela.html








Foto 2 Prospecção da Ul em Julho de 1973.Vê-se em segundo plano os restos de muralha no rebordo do plateaux para ter uma ideia da altura, reparem na árvore em último plano no meio de um arimbo, trata-se de um mutiate com cerca de 15 metros de altura.Foto de V.O.Jorge.

Outra estação importante foi o Abrigo1 da Ganda (distante uns seis km, mas com uma diferença de cotas de cerca de 300m) e foi o único local que mereceu três campanhas de escavações, (não completadas desde 1971 a 1973 dirigidas pelos Drs Vitor Gonçalves e Vitor Jorge) e que revelaram, entre vários artefactos da Idade do Ferro, um forno (cremos que completo) de siderurgia de grandes proporções e que deve ter estado activo umas dezenas de anos, a avaliar pela quantidade de escórias.

Foto: Março de 1973. Abrigo 1 da Ganda. Escavações realizadas pela equipa coordenada pelo Dr. Vitor de Oliveira Jorge, nosso professor de Pré-História. No sentido longitudinal, vê-se a vala sondagem realizada pelo Boaventura Santos, nosso colega, sob a direcção do Dr. Vitor Gonçalves, um ano antes. No sentido transversal a vala sondagem realizada por nós.Foto de V.O. Jorge
Este abrigo natural é um recôncavo num soco granítico com uns 12 metros de boca e uns 3 de Altura ( em relação aos sedimentos actuais). Serviu de oficina de fundição e o nível onde se situava a calha, por onde escoava o ferro derretido, ficava a cerca de um metro abaixo do nível actual. Este facto sem que haja datação pelo C14, permite arriscar que foi construído há mais de duzentos anos e seria contemporâneo, pela semelhança na cerâmica e noutros artefactos, das outras estações citadas. (Susana O.Jorge)


Na foto: Início da desmontagem dos sectores W. da vala Q1, Q2 e Q3. Foi no Q2, onde tenho o pé que se encontrou a 1 m, a calha de vazamento do forno de fundição. No quadrado em primeiro plano, também a 1 m foi encontrado um esqueleto (pés e pernas) humano, veem-se para além de mim a Ana e de costas a Olívia.Foto de V.O. Jorge.
Voltando à problemática da História da terra gandense. No local ( 1973 a 1975) não houve uma só pessoa da população dos mais velhos, que nos dissesse, que alguém lhes tinha contado, que havia aldeias no Hondio ou em cima das pedras da Babaera e Alto Catumbela. Isso parece indicar ( até que possamos datar os vestígios que saíram das escavações através da análise dos isótopos de carbono e termoluminescência) que, pelo menos, as fortificações foram abandonadas há mais de cento e cinquenta anos.
Foto. Um algaraviz em barro refratário. Trata-se de uma peça que encaixa no forno e serve de ligação entre o fole e a câmara de fundição.Foto de V.O. Jorge.

Os três locais onde se encontraram aldeias montadas em Inselbergs ou serras do vale da Ganda ou do planalto do Alto Catumbela-Babaera já citados, desituam-se numa rota usada pelas caravanas que faziam circular mercadorias do interior do Bié para Benguela e Catumbela, conhecida e explorada desde os primórdios do século XVII .
Primeiro pelas caravanas de escravos, depois pelas caravanas da cera, do marfim, e finalmente da borracha.


Planta do Abrigo 1 com a localização das valas de sondagem em Susana Jorge.

Esse facto pode estar na origem dos ataques de exércitos de sobados do interior do Huambo na tentativa de controlar o tráfego e em consequência da necessidade de defesa dos M’Gandas daqueles, ou das incursões dos bandos armados pelos funantes, ou mesmo dos portugueses de Benguela ( S. Filipe, para não confundir com Porto Amboim.
A verdade é que o facto de se descobrirmos no alto da Pumbala ( Pedra do Elefante) na Quitavava, no Hondio ( menos) e no Abrigo 1 da Ganda, quantidades substanciais de escória de ferro, algaravizes ( tubos de argila refractária) e de fornos de fundição de ferro ( neste caso no Abrigo 1 da Ganda), isso demonstra a grande capacidade logística de guerra e de resistência dos povos ali instalados. Subir uns trezentos metros de altura por pedra lisa quase na vertical, carregando minério, água e alimentos para alimentar umas dezenas de famílias ( no caso da Quitavava e Pumbala) nuns meses e manter a logística, só era possível com uma excelente capacidade de organização.
A ocupação efectiva do planalto pelos portugueses, só foi possível na segunda década do século XX quando a população passou a considerar vantajoso os negócios ou o emprego na construção do caminho de ferro de Benguela e na plantação de eucaliptos para alimentar as locomotivas já na década de vinte e depois nas plantações de sisal.
Conclusão. Os M’gandas tal qual os conhecemos, das duas uma: ou são efectivamente anteriores à fundação de Benguela e permaneceram no local até à sua ocidentalização e “pacificação” no início do séc. XX, ou vieram depois de outro povo lá ter estado, que falta averiguar, (seriam os M’dombes) que entretanto teve que migrar dali. Uma coisa parece ter aceitação de todos: Os Hanha pelo seu modo de vida ( com mais gado e vivendo mais à volta dele) são os mais antigos na bacia do Bonga, do Cubal da Hanha mas não devem estar relacionados com as construções amuralhadas. Os M’ganda vieram depois e devem tê-los submetido, implantando sua cultura tradicional, mais ligada à agricultura da Massambala e menos ao gado e salvo prova em contrário, seriam os habitantes das tais fortificações.
A finalizar: Muito há a fazer para estudar a região e neste caso, só com uma equipa envolvendo várias disciplinas desde a arqueologia até à linguística, como dizia o nosso professor Vítor Jorge há 34 anos atrás.


Bibliografia:
JORGE, Vitor O. " Estudos Arqueológicos na Região da Ganda, Museu de Arqueologia dos Cursos de Letras da U.L. Sá da Bandeira (Lubango) 1974.


JORGE, Susana O. "Vasos Cerâmicos do Abrigo 1 da Ganda. Guimarães, 1976


quarta-feira, 27 de junho de 2007

Parabens

Caituitui faz anos
lhe canto os parabens e lhe dou de presente: Pensar e falar Angola