A zona costeira do Município da Baía Farta é uma das zonas, mais exploradas pela Arqueologia no período mais recente da História de Angola. O texto que se segue resulta do conhecimento que tenho das estações prospectadas como da leitura de alguns textos que foram publicados, pelo Instituto de Antropologia Mendes Corrêa da U.P. e pela Academie des Sciences
A região é conhecida internacionalmente, sem dúvida, pelo o facto de haver em Benguela desde 1979 o Museu Nacional de Arqueologia. Nele, para além do seu fundador e primeiro director, o Luís Pais Pinto, trabalhou também em cooperação o Dr. Manuel Gutierrez do CNRS (Centre National de Recherches Scientifiques) centro que é uma das catedrais da arqueologia mundial. Alguns trabalhos foram publicados nas mais prestigiadas revistas da especialidade, graças ao empenho do Luís e do Manuel que formaram no terreno uma equipa de jovens arqueólogos benguelenses. Devo dizer que o referido Museu foi fruto de uma carolice persistente, do meu colega gandense. Primeiro, foi apadrinhado pelo Historiador Henrique Abranches e através dele, pelo próprio Presidente Agostinho Neto que aprovou não só a sua criação, como do estabelecimento do seu quadro de pessoal e dotação financeira. Segundo, foi intalado no edifício do Cabo Submarino, ( que é objecto da própria arqueologia industrial), depois de um estágio no edifício do antigo Grémio do Milho.
O texto que se segue é uma das muitas reflexões sobre o período mais antigo da ocupação da zona. Uso aqui o termo Early Stone Age, não por uma questão de snobice mas porque é o mais usado para a História de África. Este período, para quem não está familiarizado, corresponde em termos cronológicos ao periodo cultural que começa com os primeiros hominídeos, há 4 milhões de anos antes de nós, até à generalização das primeiras indústrias líticas feitas com base em núcleos previamente preparados, o que na África Austral, se situa por volta 250.000 anos antes de nós, embora se continuasse a usar instrumentos com técnicas e formas do período anterior, até quase ao aparecimento da metalurgia. Do ponto de vista paleontlógico corresponde a duas fases de hominídeos: Homo Habilis e Homo Erectus e os primeiros Sapiens.
O contexto geomorfológico das estações.
Do ponto de vista geológico, o território que o texto se refere, é coberto por terrenos de formação Cretácico-Quaternárias, junto à costa, correspondendo, pois a formações sedimentares que vão da Equimina até ao Sumbe, e uma faixa paralela àquela e à linha da costa, mais para o interior, que corresponde a formações Proterozoicas, mais antigas portanto.
O texto que se segue é uma das muitas reflexões sobre o período mais antigo da ocupação da zona. Uso aqui o termo Early Stone Age, não por uma questão de snobice mas porque é o mais usado para a História de África. Este período, para quem não está familiarizado, corresponde em termos cronológicos ao periodo cultural que começa com os primeiros hominídeos, há 4 milhões de anos antes de nós, até à generalização das primeiras indústrias líticas feitas com base em núcleos previamente preparados, o que na África Austral, se situa por volta 250.000 anos antes de nós, embora se continuasse a usar instrumentos com técnicas e formas do período anterior, até quase ao aparecimento da metalurgia. Do ponto de vista paleontlógico corresponde a duas fases de hominídeos: Homo Habilis e Homo Erectus e os primeiros Sapiens.
O contexto geomorfológico das estações.
Do ponto de vista geológico, o território que o texto se refere, é coberto por terrenos de formação Cretácico-Quaternárias, junto à costa, correspondendo, pois a formações sedimentares que vão da Equimina até ao Sumbe, e uma faixa paralela àquela e à linha da costa, mais para o interior, que corresponde a formações Proterozoicas, mais antigas portanto.
Quanto à orografia, as estações conhecidas, assentam em bancadas planas ( plateaux), situam-se ( hoje) entre os 90 e os 120 m de altitude e excepto o caso da Caotinha, que por causas provavelmente telúricas, vão dos 0 m (junto à praia) a cerca de 150 m no ponto mais alto.
Na foto: (de João Sá Pinto) podemos ver um pouco da estatigrafia que vem esquematizada aqui em baixo. Vê-se a meio um rebaixamento do plateau, ficando as camadas inclinadas. Onde se vê um edifício, pertencente à diocese de Benguela, correspondia há 300.000 anos o nível do mar e as rochas onde as ondas batiam ( conglomerado marinho) ainda se podem ver do lado direito, não na sua posição original, que seria a 100m do nível do mar, à cota do tal edifício.
Quanto à estatigrafia: (picar aqui ao lado para aumentar). O solo é formado por camadas em geral paralelas ao mar ( excepto em alguns locais, como já referi.). Estas camadas são em muitos locais cortadas por linhas de água sasonal (oueds) , formando, nalguns locais verdadeiros canyons ( Dungo-Baía Farta, Canguengo, Tchitandalucúa, etc.) noutros a erosão pluvial terá formado vales largos limitados por escarpas, como o caso da Caota ou da Baía Azul. Nas escarpas, a erosão torna possível visionar a estratigrafia em corte e permite-nos também, descobrir artefactos en place.
Interpretação da evolução geológica dos locais.
Apesar da “aridez “ da abordagem geológica, ela é incontornável, no caso do estudo da pré-história de Angola, onde não se dispõe ainda de um conjunto satisfatório de datações suportadas laboratorialmente. ( Lembro-me que o Luís Pais Pinto e antes o Dr. V. O. Jorge da UL bem se baterem pela sua instalação de laboratórios para análise física e química dos documentos materiais em Benguela, no primeiro caso e no Lubango, no caso do segundo).
Uma vez que os factos geológicos têm características idênticas no Sudoeste de Angola e onde algumas das formações estão datadas, os documentos materiais de comunidades humanas e da sua inter acção com o ambiente, podem por contextualização, serem aferidas cronologicamente por analogia.
Assim o estudo da geologia permite explicar a acção predadora sobre determinados animais marinhos e depositados a mais de três km da costa actual e a mais 100m do nível actual do mar.
Em termos práticos: Há mais de 300.000 anos o nível do mar encontrava-se 150-120 m do nível actual na zona de Benguela. Isso faz deduzir que toda a zona entre a Bela Vista no Lobito até aos morros das Bimbas e de S.António/Sombreiro, estivesse eventualmente debaixo de água durante umas centenas de anos. Por outro lado, o facto de se terem encontrado dezenas de artefactos em quartzo leitoso ou em quartzito, desde a Baía Farta ao Sombreiro, por essa altura (300.000 anos e mais) faz-nos deduzir que essas comunidades que viviam à borda de água, tivessem que andar uma centena de km quase, para ir buscar matéria prima para fazer os seus instrumentos, porque, sem dúvida, muitos foram talhados no local onde os utilizaram. (vários locais da bacia do Dungo, Ponta das Vacas, Caotinha e Sombreiro)
Isto dá uma ideia da necessidade de obter informações sobre a formação dos terrenos, das jazidas e os afloramentos rochosos.
Assim o estudo da geologia permite explicar a acção predadora sobre determinados animais marinhos e depositados a mais de três km da costa actual e a mais 100m do nível actual do mar.
Em termos práticos: Há mais de 300.000 anos o nível do mar encontrava-se 150-120 m do nível actual na zona de Benguela. Isso faz deduzir que toda a zona entre a Bela Vista no Lobito até aos morros das Bimbas e de S.António/Sombreiro, estivesse eventualmente debaixo de água durante umas centenas de anos. Por outro lado, o facto de se terem encontrado dezenas de artefactos em quartzo leitoso ou em quartzito, desde a Baía Farta ao Sombreiro, por essa altura (300.000 anos e mais) faz-nos deduzir que essas comunidades que viviam à borda de água, tivessem que andar uma centena de km quase, para ir buscar matéria prima para fazer os seus instrumentos, porque, sem dúvida, muitos foram talhados no local onde os utilizaram. (vários locais da bacia do Dungo, Ponta das Vacas, Caotinha e Sombreiro)
Isto dá uma ideia da necessidade de obter informações sobre a formação dos terrenos, das jazidas e os afloramentos rochosos.
Apontamentos sobre as estações.
As estações do Sombreiro, Caotinha, Ponta das Vacas (baía Azul) revelaram-se em resultado de descobertas fortuitas de onde se recolheu o material que estava visível e depositado por arrastamento pluvial, o que não permite grandes ilações por se encontrar descontextualizados. Têm em comum o facto de os artefactos apresentarem características tipológicas e pela matéria prima usada em tudo identicas aos recolhidos nas estações do Dungo (Baía Farta). Como podem ver nas fotos os materiais mais nobres são o quartzito e o quartzo (usado sobretudo para os bifaces) embora o silex, o grés e o pórfiro tivessem sido utilizadas, sobretudo para os artefactos feitos a partir de lascas, porventura em épocas mais recentes como o Stilbayense e Sangoense.
Destes destaco o biface encontrado na Caotinha pelo meu irmão nos anos setenta. Foi construído a partir de uma grande lasca de quatrzo leitoso com infiltrações (Seixo afeiçoado unifacial) ferríticas. A técnica usada terá sido a de percutor de osso ou chifre, depois dos talhes feitos com um percutor rijo. O gume é linear em todo perímetro, em resultado de pequenos retoques, habilmente executados. Embora seja espesso, a peça é quase uma obra de arte, pela sua simétria e pela regularidade do seu gume.
Estes materiais recolhidos em lugares remexidos (como foi o caso) são de difícil enquadramento cronológico. Do ponto de vista tipológico, o biface está em conformidade com as dezenas de outros bifaces e hachereaux encontrados em estações escavadas e datadas do Dungo. Este é claramente um biface do Acheulense africano( Paleolítico Antigo), o que configura uma cronologia que se situa entre os 6oo.ooo a 300.000 anos antes de nós. Apesar da presença de artefactos tipologica e cronologicamente mais antigos, como é o caso dos seixos afeiçoados uni e bifaciais, estes poderão resultado de um sincretismo tecnológico. (Caotinha - Biface lanceolado em quartzo)
Estações do Dungo.
O Dungo é um rio seco (oued) que recebe uma série de tributários, desaguando numa superfície arenosa aluvionar formada pela descargas anuais. Estes cursos de água ao longo de milhares de anos terão deixado à vista em vários locais concentrações de artefactos e restos de talhe provavelmente em resultado do desmantelamento de carcaças de animais marinhos ou de animais terrestres de médio e grande porte, como os antepassados dos ungiris ou olongos (Tragelaphus strepsiceros) ou mesmo elefantes, atendendo ao tamanho dos instrumentos de corte.
Destes destaco o biface encontrado na Caotinha pelo meu irmão nos anos setenta. Foi construído a partir de uma grande lasca de quatrzo leitoso com infiltrações (Seixo afeiçoado unifacial) ferríticas. A técnica usada terá sido a de percutor de osso ou chifre, depois dos talhes feitos com um percutor rijo. O gume é linear em todo perímetro, em resultado de pequenos retoques, habilmente executados. Embora seja espesso, a peça é quase uma obra de arte, pela sua simétria e pela regularidade do seu gume.
Estes materiais recolhidos em lugares remexidos (como foi o caso) são de difícil enquadramento cronológico. Do ponto de vista tipológico, o biface está em conformidade com as dezenas de outros bifaces e hachereaux encontrados em estações escavadas e datadas do Dungo. Este é claramente um biface do Acheulense africano( Paleolítico Antigo), o que configura uma cronologia que se situa entre os 6oo.ooo a 300.000 anos antes de nós. Apesar da presença de artefactos tipologica e cronologicamente mais antigos, como é o caso dos seixos afeiçoados uni e bifaciais, estes poderão resultado de um sincretismo tecnológico. (Caotinha - Biface lanceolado em quartzo)
Estações do Dungo.
O Dungo é um rio seco (oued) que recebe uma série de tributários, desaguando numa superfície arenosa aluvionar formada pela descargas anuais. Estes cursos de água ao longo de milhares de anos terão deixado à vista em vários locais concentrações de artefactos e restos de talhe provavelmente em resultado do desmantelamento de carcaças de animais marinhos ou de animais terrestres de médio e grande porte, como os antepassados dos ungiris ou olongos (Tragelaphus strepsiceros) ou mesmo elefantes, atendendo ao tamanho dos instrumentos de corte.
As estações foram estudadas do ponto de vista geológico pelo Dr. Mascarenhas Neto dos Serviços de Geologia e Minas de Angola em 1956, pelo Professor Gaspar de Carvalho que em 1960, que recolheu várias peças líticas, algumas das quais foram oferecidas ao Museu de Antropologia Mendes Corrêa no Porto. Sobre elas resultou um estudo e uma publicação do Dr. Carlos Ervedosa em 1967.
Em 1973 ( com o Dr. Vitor de Oliveira Jorge) e em Janeiro de 1974 visitei a estação de onde foram recolhidas algumas dúzias de bifaces que foram depositados no Museu de Arqueologia dos Cursos de Letras, no Lubango.
Estas foram alvo de alguns estudos de tipologia por parte de alunos, dos Cursos de Letras.
Estas foram alvo de alguns estudos de tipologia por parte de alunos, dos Cursos de Letras.
A partir de 1976 por iniciativa de Luís Pais Pinto foram realizadas novas prospecções e anos mais tarde o Dr. Manuel Gutierrez ao abrigo de um acordo de cooperação com o Centre National de Recherches Scientifiques, realizou, em conjunto com uma equipa do Museu Nacional de Arqueologia de Benguela um estudo aprofundado que incluiu escavações e do qual resultou um conjunto de datas atribuindo às estações do Dungo (IV e V) primeiras datações ( na foto onde estamos sentados e do outro lado podem ver-se a camada arenosa que cobre as camadas arqueológicas. a meio a mulola do Dungo) obtidas por métodos científicos.
Aquele arqueólogo francês dirigiu uma equipa ( Claude Guerin, Maria Lena e Maria da Piedade de Jesus) que acabou por descobrir um lugar de "desmontagem" de uma baleia azul ( Balaenoptera sp.) realizada por um grupo de caçadores-recolectores do Paleolítico Antigo e que deixou no local mais de 57 peças, entre bifaces, machados, lascas de diferentes tamanhos e restos de trabalho para obtenção de utensílios, para além dos restos do esqueleto do cetácio.
É de assinalar que o local dista mais de 3 km da costa e a 65m de altura do nível médio das águas, onde deveria existir uma praia do género da Caotinha ou da Baía Azul. O animal foi esquartejado no lugar onde deu à costa e deve ter alimentado o grupo durante um período longo, uma vez que a carne poderia ter sido conservada seca ao sol ou fumada, há mais de 300.000 anos. [ in Exploitation d'un grand cétacé au Paléolithique ancien: le site de Dungo V à Baia Farta (Benguela Angola) - Gutierrez et al. Contes Rendus de lÁcademie des Sciences IIA pages, 357-362, 2001)
O esqueleto da baleia posta a descoberto pela equipa do Dr. Manuel Gutierrez na estação Dungo V
Na praia do Chamume, perto do local, são visiveis vários esqueletos de baleias da mesma espécie que dão à costa, ainda hoje. Terá sido por essa razão que se terão mantido durante provavelmente várias dezenas de anos grupos nómadas sazonais do Acheulense e de épocas posteriores.
A partir de 150.000 anos antes de nós, o clima em Angola tornou-se progressivamente mais seco e o local terá sido invadido pelas areias do Kalahari que terão coberto todo o litoral até provavelmete Luanda. Ao mesmo tempo o mar terá baixado de nível progressivamente à medida que as calotes de gelo aumentavam nos polos, ficando o local, antes batido pelas ondas longe do mar e muito acima do seu nível. Os vestígios de actividade económica dos caçadores-recolectores foram cobertos por dunas de areia de cor vermelha, ainda hoje, em alguns lugares, de um lado e de outro da mulola do Dungo, a altura chega aos 20 metros acima da formação rochosa onde assentam os artefactos.
Provavelmente só viria a ser "ocupada" em períodos mais recentes da cultura Wilton, com os antepassados dos vassekele ou dos Kuissis por volta de 5.000 antes de nós quando o clima se tornou mais favorável.
Alguns exemplares de artefactos de culturas mais recentes (do e ao j) recolhidos pelo professorGaspar de Carvalho e estudados pelo Dr. Carlos Ervedosa e depositados no Museu Mendes Corrêa-da U. Porto. [em Ervedosa, C. A Estação Paleolítica da Baía Farta (Angola), IAMC Univers. do Porto, 1967, est. III]
Outra bibliografia:
- J. Sá Pinto e Luís Lima Garcia - Novas Estações Arqueológicas do Sudoeste de Angola, em "A Província de Angola", s.d. 1974
- GUTTIEREZ (M.) et PAIS PINTO (L.), 1997, Recherches archéologiques sur le Paléolithique Inférieur à Baia Farta au sud de Benguela, Angola, Dossier et recherches sur l'Afrique, 4, pp.89-94.
- GUTTIEREZ (M.), GUERIN ( C.), LENA (M.) et PIEDADE (M.), 2001, Exploitation d'un grand cétacé au Paléolithique ancien : le site de Dungo V à Baia Farta (Benguela, Angola), Comptes-Rendus de l'Académie des Sciences de Paris, 332, pp.357-362. )
- GUTTIEREZ (M.), GUERIN ( C.), LENA (M.) et PIEDADE (M.), 2001, Exploitation d'un grand cétacé au Paléolithique ancien : le site de Dungo V à Baia Farta (Benguela, Angola), Comptes-Rendus de l'Académie des Sciences de Paris, 332, pp.357-362. )